quinta-feira, 29 de maio de 2014
Os Dois Lados da Solidão
PRELÚDIO MORTAL
quarta-feira, 28 de maio de 2014
Dona Clô
Ela era uma senhora muito bonita apesar da idade, e elegantemente vestida que encontrei por acaso na fila do banco. Cabelos bem cuidados e pintados, unhas muito bem feitas e perfumada. Falamos sobre o tempo lá fora. Uma chuva assolava a cidade há dias e pessoas já perdiam casas e todas as suas coisas. Dona Clô contava-me do seu medo de chuva. “Tenho trauma!” - resumiu ela e em seu trauma se calou. Fiquei imaginando qual seria o trauma, mas não quis perguntar. Só sorri como se sorrindo eu ficasse cúmplice de seu trauma. Então, ela pagou suas contas e se foi carregando seu trauma pelas calçadas molhadas. E eu, também.
Passado uns dias, eu caminhava de manhã pela rua e reparei em uma pessoa que me pareceu conhecida. Que surpresa! Era dona Clô. Apressei o passo – com sorte ela me reconheceria. Ela estava tão simples naquele dia. Tão diferente da senhora que conheci no banco: usava calça legging, camiseta, boné e tênis. Contudo, sustentava ainda seu ar elegante e um olhar firme que os óculos de sol não escondiam.
__ Bom dia! – disse com um sorriso.
Dona Clô, olhou-me um pouco e sorriu. E no seu sorriso havia acolhimento.
__ Bom dia, mocinha do banco. Como vai?
E começamos a conversar novamente. Hoje sobre o sol escaldante que levava risos à praia. Paramos em um quiosque fomos tomar uma água de coco. E então, conheci mais de uma dona Clô sem traumas. Rimos e combinamos de caminhar por ali na manhã seguinte.
E por algum tempo essa foi a nossa rotina: encontrarmo-nos no calçadão para uma conversa a toa enquanto caminhávamos. Dona Clô contava coisas do seu tempo e dizia sempre que o tempo passado era o melhor de viver. Afirmava que um dia eu entenderia. Um dia em que ela não estaria mais ali, mas que eu me lembraria das palavras dela e diria “bem que aquela matusquela me avisou!” e demos gargalhadas do “matusquela” que ela complementou com “palavra de velho”.
Um dia dona Clô convidou-me para ir a sua casa jogar buraco e eu fui. Conheci lá outras senhorinhas sorridentes como dona Clô. E logo fui adotada como a netinha da turma. Elas eram muito animadas e simpáticas. Cada uma delas com seus traumas, com suas histórias e seus mistérios, mas todas tão cheia de vida e esperança que me deixavam como elas, vibrante.
Passávamos a tarde a jogar buraco, bingo, 21 a valer bombons, dançávamos, cantávamos ao som do piano de dona Clô, o violão de dona Cláudia e a voz vacilante pela idade de dona Leda – a mais velha do grupo. Elas me diziam que eu saía dali cheirando a naftalina e formol. Mal sabiam elas que o cheiro delas era tão mais vivo que o meu em alguns dias. No fim da tarde eu ia embora renovada, remoçada na experiência delas.
Um dia dona Clô pediu que eu ficasse um pouco mais para tomarmos um cálice de vinho do porto. E eu fiquei.
Depois que todas elas se foram, sentamos na varanda com nossos vinhos. Dona Clô então segurou a minha mão e disse que naquele dia ela estava se sentindo muito só. Que o passado estava doendo dentro dela. Um passado de plumas e brilhos, mas que agora pairava cinza de tristeza dentro dela. Eu só apertei a mão dela, não sabia o que dizer. De repente, toda a idade de dona Clô pesava-lhe a face e eu me dei conta de que ela já tinha mais de setenta.
Ela apanhou um baú antigo cheio de fotos amareladas e algumas até desfocadas, cartas, cartões, pétalas de flores secas, papéis de bala enroladinhos, cachinho de cabelo, uma pluma que devia ter sido azul em uma época qualquer, mas que agora era tão velha quanto dona Clô... Disse-me, então, depois de um silêncio pesado: “Veja o meu passado! Ele cabe todo em uma caixinha.” E sorriu.
Na caixinha uma dona Clô sem rugas e vestida de vedete com poses, me sorria. Olhei cuidadosamente cada uma das centenas de fotos e ouvi algumas das histórias que elas continham. Histórias alegres e tristes. Reconheci ali outros sorrisos joviais: o de dona Leda e de dona Cláudia. “Mais que amigas... minhas irmãs.” – dizia dona Clô com olhos cheios de lágrimas e mãos trêmulas.
Dona Clô me contou que ela era vedete e dançava em um antigo cassino. Foi lá que ela conheceu certo militar de alta patente que lhe deu tudo o eu tinha, menos um filho. Ele não queria e nem podia arriscar a ter um filho fora do casamento porque seria um escândalo e ela respeitou. Só que, segundo ela, ela não imaginava que na velhice ela sentiria tanta falta de um filho. Ela disse que quando se é jovem, às vezes, esquecemos que vamos envelhecer e que na velhice a solidão é contada em segundos, pois o tempo fica caduco como os velhos. Quanto mais dona Clô falava mais eu bebia as suas palavras com o vinho do porto. Foi uma tarde incrível! Mágica!
Minha amizade com dona Clô era assim, mágica. Era cercada de coisas glamorosas e de sentimentos que se revelavam como a lua que víamos brotar do céu enquanto bebíamos vinho do porto na varanda. Eram tardes com tardes dentro. Tardes de um passado lindo e cheio de vida de uma pessoa que exalava vida em tudo que fazia e dizia.
Hoje, eu vi dona Clô ser sepultada sobre o choro contido de dona Leda e dona Cláudia. Elas, depois que todos se foram, ficaram ali cantando a canção que elas diziam ser o hino da amizade eterna entre elas. E eu as abracei com muito carinho para engrossar o canto:
“... Amigos para sempre é o que nós iremos ser
Na primavera ou em qualquer das estações
Nas horas tristes nos momentos de prazer
amigos para sempre...”
Dona Clô se foi. Tenho certeza que virou estrela. Uma estrela brilhante e cheia de vida que vai iluminar as minhas noites ao lado de dona Leda e dona Cláudia. E que um dia formará uma nova constelação quando essas duas estrelinhas se forem também. E nem assim ficarei triste. Elas que me guiarão para sempre nas palavras que me disseram, em canções que me ensinaram, em meu coração onde elas serão eternas vedetes sorridentes.
Amigos são para sempre!
(Waleska Zibetti)
terça-feira, 27 de maio de 2014
Reações
" Aí está, morreu; e eu não — pensou ou sentiu cada um."
Tratar de morte é sempre delicado, de um lado porque já perdemos ou ainda perderemos pessoas queridas e de outro porque no fundo, todos nós temos um desejo de imortalidade, até mesmo os suicidas que enxergam a morte como solução de uma vida que parece pouco agradável aos sentidos.
Quando penso no clássico de Tolstói, a primeira coisa que vem à minha mente são as reações que as pessoas ao seu redor tiveram com a notícia de sua morte. Colegas de trabalho pensaram em ocupar seu cargo, e ufa, que bom que foi ele e não nós. A família se livrava de um estorvo e em seu velório a esposa apenas pensava em como ganhar dinheiro com o infortúnio do marido.
Jeito triste de partir, deixando um legado de colegas que apenas se acostumam a nossa presença e familiares que nos aturam por obrigação.
Tenho certeza que muitos já morreram e ainda morrem nesta situação por viver uma vida mal vivida, colecionando amarguras e decepções ao invés de ver com olhos de bondade e humanidade cada um que passa por seu caminho.
A vida pode e deve ser maravilhosa, mas só nós mesmos podemos torná-la dessa forma e assim, quando finalmente a morte bater em nossa porta, podemos ir com a sensação de uma jornada completa e com verdadeiros amigos ao nosso redor. Pense bem nas reações que você gostaria que as pessoas tivessem ao saber de sua morte, e faça em vida algo para que sintam sua falta.
Até os próximos capítulos!
Vida de Adulto
“Só se é jovem uma vez...”, já ouviu isso, Gabizinha? Pois, então, saiba que isso é muito verdadeiro. A juventude é um perfume bom que vem em vidro pequeno. E a gente nem se dá conta do quanto é bom até que ele não exale mais do nosso próprio corpo. Contudo, pequena, posso lhe afirmar que o cheirinho especial da vida adulta é do seu modo muito atraente. Tão atraente que por vezes, anula o tal perfume jovial para destacar-se entre os outros. O que quero que você entenda é que cada fase da vida é uma com suas virtudes e seus defeitos.
Todos nós estamos morrendo. A cada segundo a vida nos rouba um suspiro de vida. Mas não é por isso que vamos chafundar no canto do mundo questionando a que horas será a partida. Você Gabi – Você também leitor! – está VIVA. Então, levanta o buzanfão daí e vá viver! Viver para fora de si. Tira o olho do umbigo e olhe o sol, a lua, a chuva... a vida!
A morte só seduz porque usa vestido longo preto elegantíssimo. Eu tenho certeza que a morte veste Gucci e calça Louise Vuitton. O que seduz na morte é a ideia de um beijo que abre o portal para o desconhecido, o inimaginável, o próximo passo... Somos criaturas curiosas e o slogan “O que vem depois?” vendido pelas crenças de uma existência post mortem faz os lobos jurarem-se de cordeiros no fim da vida na esperança vã de uma “salvação”.
Está aí! O que falta para vocês é o “foda-se” ligado. Essa teclazinha embutida em todos nós, mas que raramente conseguimos acionar porque temos inconscientemente uma origem masoquista. Deixamos as coisas nos atingirem, permitimos que o mundo nos escravize. Não estou aqui apregoando que devamos viver numa realidade cômoda. O que estou dizendo é que de nada também nos adianta tentar atingir coisas que estão muito além do alcance se isso custar nossa saúde, humor, felicidade... Vale a pena lutar tanto pelo “ter” se o fim disso for igual ao de Ivan? Velho, solitário, frustrado, mal-amado... um estorvo. Não teria sido melhor se ele tivesse plantado alguns sorrisos em seu caminho? Alguns abraços sinceros? Se tivesse se entregado de corpo e alma a sua família de vez em quando?
Até!!!
segunda-feira, 26 de maio de 2014
Sentindo a morte de Ivan
domingo, 25 de maio de 2014
O Embarque...
O velho moribundo estava condenado a enfrentar o pior inimigo do homem: a visão do próprio passado. Talvez fosse melhor a loucura, a perda total de contato com qualquer coisa que um dia foi real; a encarar as farsas em que viveu. Um homem vazio quando longe da toga que dava prestígio, uma criatura medíocre longe do título que lhe poder. Um velho estorvo condenado no fim de tudo.
Tome coragem de fazer mudança. Olhe-se no espelho e busque seus monstros. Cace-os, aprisione-os, vença-os e reescreva suas rotas, seus objetivos, seus modos. Liberte-se dos vícios de ser melhor para aceitar a possibilidade de ser eterno aprendiz. Esvazie-se da soberba do “eu sei” para preencher-se da doce necessidade da busca. É esse o caminho: observar, absorver, aprender, compartilhar... Plante mais amor nos seus dias. Humanize-se. O mundo não precisa de mais sábios fechados em seus conceitos e certezas. O mundo precisa de humildes humanos que ensinam.
Até breve!
sexta-feira, 23 de maio de 2014
Na Estação...
quinta-feira, 22 de maio de 2014
Apenas um gesto!
domingo, 18 de maio de 2014
A Morte de Ivan Ilitch - Leon Tolstói
Próxima Leitura do nosso Clube é:
A Morte de Ivan Ilitch - Leon Tolstói
Sugestão de nossa colunista Cínthya Pinheiro
"A Morte de Ivan Ilitch é uma das obras mais comoventes e mais pungentes da literatura universal, talvez a obra-prima de Tolstói." (Otto Maria Carpeaux)
Então pelos próximos 30 dias (18/06/2014) só nos resta conferir e comentar sobre esse clássico do Tolstói!
sexta-feira, 16 de maio de 2014
Perdas e Ganhos
“Com as perdas, só há um jeito: perdê-las. Com os ganhos, o proveito é saborear cada um como uma boa fruta de estação.”
―Lya Luft
A vida não tece apenas uma teia de perdas, mas também nos proporciona uma sucessão de ganhos. O equilíbrio da balança depende muito do que soubermos e quisermos enxergar.
Sempre que fazemos uma escolha abrimos mão das mil possibilidades outras que a vida oferece. E o pior, sabemos disso, temos plena consciência dessa impossibilidade de conciliação... Ser humano não é fácil, esse presente que a existência nos deu, a consciência, torna tudo muito complicado. Os animais não têm plena consciência do que estão perdendo, nós temos e isso gera sofrimento, escolhemos algo sempre de olho no que estamos perdendo...
A forma de amadurecer é viver. Viver é seguir impulsos até perceber, sentir, saber ou intuir a tendência de equilíbrio que está na raiz deles (impulsos). A pessoa é impelida para a aventura ou peripécia, como forma de se machucar para aprender, de cair para saber levantar-se e aprender a andar. É um determinismo biológico: para amadurecer há que viver (sofrer) as machucadelas da aventura e da peripécia existencial."Ao retornarmos as nossas histórias e ampliarmos nossa visão observamos que as perdas e os ganhos fazem parte de um mesmo processo e que não há como escalarmos o crescimento pessoal sem passarmos por momentos de renuncias e sofrimentos. Portanto, é entre perdas e ganhos que vamos construindo nossa estrada, abrindo novos horizontes. É necessário que possamos reconhecer a dor e, também, saibamos que ela faz parte do movimento constante da vida que se desenrola entre o nascimento e a morte.
quarta-feira, 14 de maio de 2014
O Menino Tempo
Waleska Zibetti
terça-feira, 13 de maio de 2014
Preparar para perder...
domingo, 4 de maio de 2014
Um dia ao ano.
O vento e o tempo.
Emma queria muito ser feliz. Quem não quer? E, Dexter também queria. Mas, há uma grande distância entre as definições de cada um sobre o que é ser feliz, estar feliz.
Durante muitos anos, Emma viveu infeliz e insatisfeita com a vida que tinha. Ela tentou. Mas, em nada conseguia encontrar aquele estado de espírito tão sublime que nos faz, por alguns instantes, acreditar que estamos com os pés acima do chão.
Dexter vivia momentos intensos, acreditando que assim era feliz. O tudo ou nada.
Depois de anos, percebeu que a felicidade duradoura, aquela que invade o espaço de toda a casa, como a luz do sol em uma manhã de domingo, aquela felicidade sem pressa e com panquecas, viria sutilmente das lembranças de todos os momentos em que encontrou Emma.
Essa postagem será breve, pois são os breves momentos que nos trazem as melhores lembranças e, definitivamente, a mais profunda experiência de felicidade. Por quê? Porque nem Emma, nem Dexter estavam errados. A vida é breve, devemos aproveitá-la ao máximo e vivê-la intensamente. Mesmo que seja por apenas um dia ao ano.
Um Dia...
"Algumas vezes,muito ocasionalmente,
digamos às quatro horas da tarde
de um domingo chuvoso, Emma se sente em pânico
e quase não consegue respirar com a solidão"
(David Nicholls, in "Um dia")
Ao invés de uma crônica, resolvi levar você comigo numa viagem. Por favor, sente-se confortavelmente e entre comigo nesse sonhos que eu nem sei onde vai dar.
Os domingo são dias contraditório. A grande maioria não gosta dele. É o dia onde famílias se reúnem para juntos suportarem-se. Mas em um canto da cidade, vamos encontrar nossa personagem esperando sobreviver ao domingo. Completamente sozinha de sentimentos e pessoas, ela se esconde atrás de janelas e cortinas fechadas pedindo intimamente que ninguém sobre hipótese alguma a procure. Com a vida, ela foi aprendendo a ter medo das pessoas.
Uma música suave toca dentro do apartamento vazio. Tão baixinho que mais parece a lembrança de conversas do passado. E ela se senta no sofá de pijamas a olhar os movimentos lentos da cortina e talvez acabar de se esvaziar do mínimo que ainda a torna humana. Olhando a mulher afundando-se assim no sofá, com braços cruzados, olhos vidrados, boca entreaberta e respiração tão suave; pode parecer aos outros um quadro quase poético. Então, vamos nos aproximar mais e olhar bem em seus olhos?
Os olhos espelhos da alma... Os dela são tão tristes! Quem os vê assim não pode imaginar que um dia eles eram repletos de sonhos brilhantes. E ela suspira. Onde foram parar seus sonhos, mulher? E da boca entre aberta um sussurro quase imperceptível e inaudível diz um nome. Como se falando aquele nome ela fosse preencher um cantinho da sala com algum momento bom. E ela aperta o próprio braço na necessidade de um abraço.
Quanto amor pode uma mulher suportar em seu peito? E os olhos marejam. Prenunciam uma tempestade de lágrimas. Por que será que ela chora? Ah, são tantos motivos! Ela chora os domingos que não existem mais e os domingos que nunca se realizarão. Ela chora uma voz que não ouve mais. Chora as juras que não se cumpriram. Chora os arrependimentos que não confessa. Chora as injustiças que sofreu e as que cometeu. É sozinha e essa é a parte do seu destino que se cumpriu e ela chora por não ter tido outra escolha.
Não! Não desista dela agora você, também. Sei que é inquietante olhar alguém assim tentando resistir ao domingo, resistir a si mesmo, alguém tão vazio... Mas pense em quantas vezes você também esteve assim. As vezes, não numa sala tão vazia quanto essa. Pense quantas vezes você se questionou do porquê de cada coisa que o aconteceu. Pense um pouco se você também, em algum dia de domingo, não foi como essa mulher. Eu já fui tantas e tantas vezes assim como ela...
Vamos lá, querida! Respire fundo. Limpe o rosto. Levante. Só mais essa vez! A solidão é um estado de espírito e como tal, daqui a pouco muda. Você consegue! É forte! Sobreviveu a tantas coisas, não foi? A solidão é só mais um obstáculo. E você pode superar. Vai dar tudo certo, querida! Você só precisa acreditar mais uma vez. Tentar mais uma vez. Sorrir mais uma vez. E acreditar que algum dia tudo será diferente. Tudo será possível de novo, querida. Um dia... Um dia...