terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Diálogos 5: Sobre Gostos




__ Você gosta de morar aqui?

__ Gosto! Nossa cidade é bonita com povo simples. Mas é pequena e sem grandes possibilidades. A vida aqui não é fácil. Porém o mar compensa e recolhe os sonhos que seus admiradores depositam nele a caminho do trabalho de manhã ou na caminhada para a boa forma. 


__ Você gosta muito do mar, né?


__ Eu amo o mar. E costumo sentar-me na praia sozinha e silenciosa a fim de ouvir os cantos das Ondinas quando estou muita agitada. Elas sempre me acalmam. Você gosta de mar?


__ Gosto sim. Mas não dessa maneira tão poética.


__ Você deve gostar de números, não é? Quem gosta de números, não entende as letras. 


__ Meus pais diziam que poesia é coisa de frutinha. E eu sempre as evitei. 


__ Não culpe seus pais por isso! Minha mãe, como boa canhota, também é dos números e diz que minhas poesias é coisa de gente aluada. Então, eu rio e convido ela para ir até a lua comigo montada em um dragão azul. Ela diz logo com cara de reprovação: “desconjuro!”. E eu caio na gargalhada.


__ Eu gosto de música...


__ A música é uma poesia cantada. Só que cantar é mais comum. Repare só...


Levanto-me, pigarreio, imponho a voz em tom solene.



__ “Vorrei donare il tuo sorriso alla luna perché 

di notte chi la
guarda possa pensare a te
per ricordarti che
il mio amore è importante
che non importa ciò
che dice la gente e poi
amore dato, amore preso,
amore mai reso
amore grande come il
tempo che non si è arreso
amore che mi parla
coi tuoi occhi qui di fronte
e sei tu....

...il regalo mio più

grande”

Ele aplaude e eu me curvo em agradecimento. Rimos.


__ É uma canção. A canção que lhe dedico hoje. Mas se recitada, vira um lindo poema de amor.


__ Lindo é você recitando. Gosta de esportes?


__ Eu não. Embora sei que devesse pois sou gordinha.- Abaixo a cabeça envergonhada. Ele ri.


__ Eu penso demais, sabia? Queria mudar esse meu jeito.


__ Então, você pensa muito? Hum... Terei que providenciar com o Chapeleiro Louco - aquele do País das Maravilhas - uma receita de “Bolo de Insensatez” e te servir no próximo lanche da tarde. Vamos devorar a sua mania de pensar. É bom não pensar, as vezes. É bom perder-se em reinos mágicos, correr o risco de parecermos ridículos só para entrar em contato com o nosso lado criança. Ser criança nos deixa mais leve. 


__ Vou ser ator de cinema!


__ Cinema... Que tipo de filme gosta? Qual o título que traduziria você hoje? Me conta, anjo meu? 


__ Sei lá! Acho que algum de Woody Allen. 


__ Nunca entendi Woody Allen. Mas entendo você. Sabe o que precisa? 


__ Não!


__ Dançar! Vem!Vamos dançar!Eu não sei dançar então,não fica bravo se eu pisar no seu pé, tá? Mas venha comigo! Deixe seus pensamentos ali no banco para pegar depois. E vamos deixar que os próximos minutos sejam nossos, sem ninguém no mundo. A não ser a dona Vontade e a Felicidade, que vestidas de azul-mar, nos observam em cumplicidade. Vamos deixar que essa tua canção nos leve e quando não estivermos mais por aqui dançando, estaremos em nossos pensamentos e no sorriso  como esse que você deu agora.


__ Você não existe!


__ Vem e me dá um beijo com gostinho de mar. 

(Waleska Zibetti)