“Quando chegava a hora do almoço,
eu havia trabalhado duramente.
Mas sempre tinha a impressão
de que não havia feito nada de útil”
Tenho escutado muito o “Desculpa-me,
mas não deu tempo”. Não deu tempo! Tempo... O que as pessoas têm feito com seu
tempo? Não há mais tempo nos jovens e isso me preocupa. Trabalho, faculdade,
curso, agenda... E onde ficam os pássaros?
Devorados na ausência do tempo
e nos sonhos de grandeza – quero carro viagem para Paris, cobertura - o jovem
suicida-se na pilha de papéis e envelhece nos vazios internáuticos. Como é
mesmo um olhar real?
Essa noite na TV um show dos
Rolling Stones, no site o ícone avisa que é aniversário da Paulinha aquela
amiga que mora em Volgogrado – deve ser bom
conhecer alguém que mora em Volgogrado – e que eu conheci lá em... Onde mesmo?
Só sei que a Paulinha é uma menina maneira que eu nunca soube o som da voz, mas
imagino que seja linda. Quantos quilômetros
há daqui a Rússia mesmo?
“E,
sempre, no fim do dia,
eu tinha a
impressão
de que não
havia feito tudo
o que
precisava ser feito.
Corria
contra o tempo”
(Rubem Fonseca, in “O Outro”)
Eu sou dessas pessoas que correm contra o tempo.
Na verdade eu estou sempre na contra mão. Contra o tempo, contra o mundo,
contra mim... Eu gosto de estar no sentido contrário, de ir ao encontro, de estar
em confronto. E os pássaros estão no céu
que hoje está meio cinza. Um dia chato de terça-feira. Povo vestido de preto e
marrom. Inverno.
Devoro juízos e faço pensar. A loucura é o vinhos
dos pensadores. Dos que não se importam do pé no chão desde que a cabeça resida
segura na lua. Não tenho carro, vou a pé ou de ônibus, porque gosto de olhar os
olhos dos para descobrir novos tons de azul e verde. Tenho pilhas de papéis
poéticos em minha bolsa e encontro velhos amigos para falarmos da internet
enquanto ouvimos rock and roll.
Essa noite não tem luar, me canta Renato Russo,
na festa da Silvinha que mora ali em Costa Azul e que eu conheci pela Glória
que mora em Unamar – Não tem nada de diferente em Costa Azul ou Unamar, eu sei
porque eu estive lá. E a Silvinha é uma menina maneira e a Glória também. E as
duas moram a dez minutos daqui.
“Um dia
comecei a sentir
uma forte taquicardia”
(Rubem Fonseca, in “O Outro”)
O jovem está envelhecendo rapidamente.
E leva tudo muito a sério. Perde a piada, o humor, o amor... Dirige pela
madrugada para chegar Volgogrado um dia e ver que a
Paulinha suicidou-se porque não suportou passar o próprio aniversário sozinha
entre as dezenas de e-mails que recebeu.
E então, num café em Paris ele vai perceber que o tempo passou. E
que não há números na sua agenda. Ele conhece filosofia, música, política,
cinema. É cute, cool, grunge... Mas não sabe nada do rosto do espelho?
“Não é simples parar de repente de trabalhar.
Eu me senti perdido, sem saber o que fazer”
(Rubem Fonseca, in “O Outro”)
Eu estou envelhecendo e meu corpo as vezes não acompanhar a
vontade dos pensamentos. Eu morro de rir quando esqueço alguma data ou nome.
Minhas mãos perderam um pouco da tez. Sou sedentária. Não me ajudo muito nisso.
Mas ainda ouço rock e leio bons livros na beira da praia ou deitada no sofá. Conheço
tanto de mim que me temo. E conheço do
mundo o suficiente para respeitá-lo. Sei das calçadas, das vielas, das
prostitutas, dos vinhos, da loucura, do medo, da solidão, da força, do vento,
da chuva, do sol, da terra, do negro, da ruiva, da porta, da fresta, da janela,
dos meninos, das meninas, da boca, da coxa, da velha, do executivo, do monge,
de sonhos, do tempo...
"não faça isso, doutor,
só tenho o senhor no mundo"
Estamos imersos num mundo onde
a responsabilidade nos rouba o tempo e o jovem acelera o tempo na tentativa de
um futuro melhor e eu do futuro aceno tire o pé do acelerador para se dar o
tempo de ver os pássaros no céu que de repente agora ficou azul.