“Ninguém está na calçada porque quer”, disse-lhe certa vez uma velha cafetina.
E ela em silêncio sorriu pensando que nunca aquela velha enfrentaria um serviço
pesado mesmo quando jovem. Porque ela tinha certeza de que a rua era um vício.
A lua rompe a janela do quarto ditadora e ordena aos seus filhos que invadam a
rua espalhando luxúria por onde passarem. Toda puta é filha da lua, concluía.
Ela observava aqueles personagens analisando-os como um
microuniverso independente do macro universo que crescia ao seu redor. As
pessoas podiam olhá-los como parasitas da sociedade, mas ela era capaz de jurar
que ali havia muito mais a oferecer que nas senhoras distintas que se sentam no
fim da tarde diante de sua TV para ver as novelas com olhos inocentes. Olhos
inocentes e cabeça perversa. Mulheres como aquelas se masturbavam secretamente
pelo vizinho nas suas tardes solitárias. Imaginavam os corpos dos adolescentes
sobre os seus enquanto inocentemente liam revistas Marie Claire em suas
cadeirinhas de varanda.
A maioria não assume sua perversão vivendo um conflito
doentio com seus desejos reprimidos. Nas calçadas, todo desejo é permitido e
todo sonho real. Nas calçadas o medo é só mais uma via para o prazer. E o
prazer, a morada de toda razão. E ela caminha a observar as frestas das portas,
movimentos por trás de cortinas, silhuetas embaçadas nos carros, vultos na
escuridão. De vez em quando encara o céu e algumas estrelas piscam seus olhos
para ela incentivando a sua caminhada.
Toda noite tem seus sons ainda que tudo esteja calmo. E
na praia, o mar lambe a areia. Os serenos se amam nas pedras ao som suave das
ondas. A noite tem seus mistérios e ela também. A lua engole os mistérios da
noite até encher. Os dela ela guarda por baixo das unhas vermelhas. Todo mistério
seduz.
Ela sempre foi meio caminho perigoso e nunca temeu bicho
ou a madrugada. Tinha olhos de viela e atraía curiosos personagens que se
fascinavam com suas histórias com movimentos pseudo-dramáticos. Andava pelos becos pouco se importando com os
gatos, cachorros, bêbados, mendigos, prostitutas, travestis...
“Ninguém envelhece porque quer”, disse certa vez a uma
jovem. E uma cafetina em silêncio sorriu porque tinha certeza de que a rua era
um vício. E ela rompia a janela do quarto e invadia a rua espalhando luxúria
por onde passasse. A rua é um serviço pesado, concluía. E todo filho da puta
deveria ir para lua.
Ela é um daqueles microuniversos parasita que observa a
sociedade independente crescendo ao seu redor. As pessoas a analisam no fim da
tarde. E ela vira uma espécie de macro universo capaz de oferecer segredos as
salas das senhoras distintas. Seus olhos perversos povoam as tardes solitárias
dos vizinhos. E o corpo dela é coberto pela imaginação dos adolescentes que
inocentemente se masturbam nas cadeirinhas da varanda. Personagem pervertida
das novelas de revista.
A maioria dos seus desejos são perversos e conflitantes.
Mas a calçada é real. Não permite sonhos e não assume doenças. A calçada troca
medo por prazer. É a morada de toda razão. De vez em quando há estrelas nas
frestas das portas, e se vai ao céu nos movimentos por trás de cortinas,
silhuetas embaçadas nos carros piscam para ela, vultos na escuridão o observam.
Ela encara o céu e segue sua caminhada.
Toda noite está calma e tem seus sons vindos da praia. Os
serenos lambem a areia. O mar ama nas pedras. A noite tem mistérios vindos das
ondas. E ela também engole os mistérios da noite. A lua guarda os dela até
encher. Os dela seduzem por baixo das unhas vermelhas. À noite tudo é mistério.
(Waleska Zibetti, in "Sob a Luz do Luar")