quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Insana



Estou lá novamente... Naquele lugar tão conhecido por mim. Como odeio esse estado letárgico de pensar a minha funcionalidade. Acho que é esse meu erro sempre querer ser funcional. Ser humano não é funcional! Não faz sentido. Ou faz?

Que inferno! São trezentos pensamentos surgindo por segundo e eu penso que não suportarei por muito tempo tanto pensar. Há dias em que vou ao mar para mergulhar e sentir o silêncio que há embaixo d'água. Acho que todo mundo deveria ir a algum lugar onde não fosse possível ouvir nada além do som do fluxo sanguíneo. Pior que sei que ainda assim vozes invadiriam meus pensamentos me roubando o direito de estar em silêncio. 

Quando fico assim, sinto muito sono. E tudo fica extremamente irritante. Então, eu fecho os olhos, e diante da impossibilidade do mar, mergulho em mim. Eu sou um mar abissal. Escuro, misterioso, profundo, surpreendente e monstruoso. E as pessoas não entendem isso. Acham estranho. E tudo que é estranho é loucura aos olhos ignorantes. 

Se sou louca posso tudo... Uma menina feliz colhe pensamentos numa macieira. Alguns ela coloca gentilmente num pequeno cesto de vime e outros ela arremessa no rio próximo. Os pensamentos rodopiam na superfície do rio por algum tempo, mas logo mergulham e somem na água corredeira. E ela nem perde tempo para olhar os pensamentos que o rio leva, colhe logo mais um vermelhinho lá no topo. A menina morde um dos pensamentos e o meu peito dói, quase grito aquela dor enorme. Meu peito sangra e ela resmunga de boca cheia: 

__ Que delícia é a maçã-do-amor!

Já não sinto a segunda mordida. A dor virou lugar comum. E chega a ser bonita a fome da menina. E lá vai ela correndo a beira do rio com  uma cesta cheia com meus pensamentos. Que fará com eles? Ela pára e põe a mão na cintura com posse autoritária. 

__ Que farei com eles? - admira-se. - Que pergunta mais idiota! Vou comê-los com café. O que mais se pode fazer com pensamentos colhidos? 

E segue por fim seu caminho saltitando e cantarolando uma cantiga de roda. Ainda bem que tenho você, menina. - penso a observá-la e ela me ignora. Respiro fundo e olho o céu que aos poucos fica cinza. 

__ É que hoje vai chover. 
__ E quem é você?
__ Sua vontade de chorar.
__ Eu não quero chorar. 
__ Não ainda, mas vai. Se você chora, aqui chove. 
__ Mas não vou chorar.
__ Você tem!
__ Por que?
__ Para nascer as flores poéticas do jardim. 
__ As coisas começaram a perder o sentido para mim.
__ Alguma vez isso tudo fez sentido para você?

Como algo tão pequeno podia me incomodar daquele jeito. Eu não sei quando comecei a escrever e nem porque exatamente. Acho que foi quando percebi que pensava demais. Eu precisava prender alguns pensamentos no papel para que eles me deixassem quieta. E nunca fez sentido mesmo nenhuma palavra minha. Eu sempre achei estranho essa mania de escrever até em parede quando a vontade vem. 

__ Você está certo. Nunca fez sentido!

Estou perdida aqui! Eu não sei nem como vim nem como sair. Que devo fazer? Você não sabe, não é? Ninguém sabe! Eu que tenho que encontrar o caminho. Parar de pensar. Deixar os pensamentos perderem-se entre as folhas da macieira. E ir. Ir além de mim. Ou será que já estou além de mim? Tudo continua sem sentido. Não há razão para o que escrevo menos ainda há razão em você que lê tudo isso. Mas estamos juntos. Inquietamente juntos. Você ao ler-me me invade e eu faço o mesmo nesse minuto. A diferença é que não pensarei em você a não ser agora que você nem está aqui, mas é tão concreto em mim. E você pensará em mim, bem ou mal, mas pensará sabendo quem sou, meu nome, meu rosto... Sabe o que mais é interessante? Você sabe quem sou eu, mas não sabe quem é você. Estranho, né? E sabe o que é menos sensato nisso tudo? Você não consegue parar de ler porque precisa, com sua lucidez, ou encontrar um porquê ou encontrar um fim. Mas não tem fim. Eu vou escrever sem propósito e a menina vai jogar os pensamentos no rio e nada fará sentido e você... Você ainda vai continuar a pensar em mim mesmo quando eu me esquecer de você.
(Waleska Zibetti, in "Insana")