segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Morangos Mofados – Parte I: O Mofo



Conto 1: Diálogo

Tudo é simples. A tal complexidade das coisas somos nós quem criamos com nossa eterna mania de procurar um porquê para tudo. Nem tudo tem porque e é porque deve ser. E amar alguém é simples como o ato de piscar os olhos. 

É desse “complicar o simples” que Caio fala nesse primeiro conto. E será que um dia chegamos a um ponto que esses porquês desaparecem? Caio também responde essa questão de maneira sábia. Mas eu não contarei como, claro!

Conto 2: Os Sobreviventes

Lembrei-me demais de James Joyce em “Monólogo de Molly Bloom” ao ler esse conto. Ri, chorei, odiei e me identifiquei com a personagem em crise. Mas que fique claro que não é um monólogo. É que ao ler imaginei-me no lugar dela conversando da minha própria vida com um de meus fantasmas. Coisa minha!

O conto é poético e lindo – Falar que Caio Fernando é lindo me parece tão pleonástico -, mesmo dentro dos tons ácidos e irônicos que carrega. Vou deixar-lhes o trechinho do conto que mais gostei. 

“Ah, passa devagar a tua mão na minha cabeça, toca meu coração com teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia, ela para e pede, preciso tanto tanto tanto, cara, eles não me permitiram ser a coisa boa que eu era...”
(Caio F. Abreu, in “Os Sobreviventes”)

Conto 3: O Dia Em Que Urano Entrou Em Escorpião (Velha História Colorida)

Estranhos personagens compondo outro cenário cotidiano. Tão caótico quanto pode ser o cotidiano moderno. E tão egoísta, também. Quatro indivíduos em uma única sala evitando-se em assuntos desconexos ou tentando fazer com que suas próprias questões sejam tratadas como prioritárias ou pelo menos urgentes necessidades. O clima do terceiro conto inicia-se mais ou menos assim “Farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Mas quando se tem alguém determinado a convencer o outro de uma ideia tudo pode acontecer. Desde nada mudar até uma outra realidade começar, não é mesmo? E no conto de Caio... 

Trechinho...

“...ela lia muito, e quando contava uma história nunca sabia ao certo onde a teria lido, às vezes não sabia sequer se a tinha vivido ou não lido...”
(Caio Fernando Abreu, in “O Dia Em Que Urano Entrou Em Escorpião”)

Conto 4: Pela Passagem de Uma Grande Dor

Sabe aquelas histórias que nos fazem revirar e repensar o profundo de nós, nos fazendo miúdos diante do gigante e vasto universo que há por detrás da porta? Esse conto é dessas histórias. A ausência de nome para os personagens ou qualquer outro tipo de característica nos faz ainda mais íntimos deles. Houve aquele momento em que eu era ela querendo ele e outros onde eu era ele num conflito entre querer ficar só e a querer por perto. Pensei, então, em Nietzche: É difícil viver com as pessoas porque calar é muito difícil. 

Olhem que delicia de trecho:

“Imóvel assim no meio da casa, o som desligado e nenhum outro ruído, era possível ouvir o vento soprando solto pelos telhados”
(Caio F. Abreu, in “Pela Passagem de Uma Grande Dor”)

Conto 5: Além do Ponto

Parei dez minutos para tomar ar. Eu precisava disso depois que li o título do próximo conto. O motivo é que esse fora o primeiro encontro entre Caio e eu. Como se não bastasse, o personagem desse conto “é” alguém que eu amei demais. Confesso que quase pulei a leitura. Mas Caio não merecia isso. “Ele” não merecia isso. Eu também não merecia. Então, parei os dez minutos para tomar coragem e voltei depois quando reencontrei dentro de mim a paz que é preciso para ler. Volte e entrei na chuva indo ao encontro deles (Personagens da ficção e personagens do meu passado).

O conto “Além do Ponto” é o conto mais asfixiante que já li. E essa impressão foi a mesma que tive na época da faculdade. Nada mudou em mais de vinte anos passados desde a primeira leitura. Delirante, sufocante, angustiante e... catártico. É para ser lido com goles de vinho numa noite de frio e chuva; ao som de algo como um blues ou um bolero. “Além do Ponto” é uma travessia e o ponto de chegada é o sentir. 

Desculpem-me, mas não haverá trechos dessa vez.

Conto 6: Os Companheiros

Uma porrada no meio do olho vinda de repente de não se sabe onde deixando tudo desconexo. Li três vezes e a cada vez que relia terminava tão perdida e perplexa quanto a vez anterior. Então, dei-me uns dias. Vinha meio desembalada, faminta... Sei lá! E retornei a leitura do zero. E aí... Nada mudou!A sensação era de cair no caos de braços abertos tentando me agarrar em um fio sensório qualquer que não veio. Acho que esse conto são peças de um jogo de montar. E você vai montá-lo trinta vezes e cada vez será a primeira. Simples assim!

Trecho...

“... aquele que muito fora amado e ferira fundo de faca a quem o amou: permanecia mudo parado suspenso entre várias coisas que já não eram e outras tantas que poderiam vir a ser, ou não.”
(Caio F. Abreu, in “Os Companheiros”)

Conto 7: Terça-feira Gorda

Deus quanta tristeza!  Por que? Por que? Quem determinou que isto ou aquilo é o certo? Não perguntem! Leiam! Repensem! Leiam e respondam: Por que? Deus quanta tristeza! 

Trecho...

“A gente queria ficar apertado assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro. Tão simples, tão clássico”
(Caio F. Abreu, in: “Terça-feira Gorda”)

Conto 8: Eu, Tu, Ele

Encaixei-me nesse conto. Não como uma quarta parte, mas como sendo alguém em cujo essa tríade existe e se confronta tanto quanto. Uma ponta sustentando a outra num quase equilíbrio. Algumas vezes, perguntaram-me quantas sou eu. Nunca soube a resposta. Mas sei que, como Caio, quase todos os meus lados são incompreendidos.

Trecho...

“... vê se me entendes: ele não se agasta, mas é dentro dele que eu me afasto. Dentro dele, eu espio o de fora de nós. E não me atrevo.”
(Caio F. Abreu, in “Eu, Tu, Ele”)

Conto 9: Luz e Sombra

A música ao fundo era “Stand by Me” nessa nova e divina versão de Florence and The Machine; e o calor carioca escaldante de um quarto onde eu me encontrava deitada era o cenário da leitura do último conto dessa primeira parte de “Morangos Mofados”.

A angústia da personagem foi crescendo em mim. Ele – Caio – falava comigo e eu solidária, solicita, dedicada respondia carinhosa e ternamente atenta a cada “Você me entende?”; na tentativa inútil e desesperada de que ele soubesse o quanto eu o entendia e o sentia naquele momento. 

Terminei o conto com lágrimas e apertei o livro contra o peito. Mãe agradecida querendo mimar o filho por ele ter me deixado estar com ele ali naquele quarto dividindo comigo suas angústias, medos, dúvidas e poesia. 

Trecho...

“O dia está muito quente. Quando a tarde avançar, sei que me encontrará sentado no degrau. E depois que o cinza tiver se transformado em rosa e em violeta e em azul profundo e por fim em negro, sei que estarei parado no centro daquele quarto, ouvindo os guinchos estridentes e o bater de asas dos morcegos. Gritarei, então. Muito alto, com todas as minhas forças, durante muito tempo. Não sei se foi esta a ordem, se será assim o depois. Mas sei com certeza que nem você nem ninguém vai me ouvir”
(Caio F. Abreu, in “Luz e Sombra”)

Nota: 

Caio Fernando Abreu escreveu o livro original “Morangos Mofados” em 1982 e o revisou em 1995. Se ficou melhor ou pior que o original, eu não sei. Só sei que o Caio é Caio e eu o amo incondicionalmente!

Até o próximo!

Beijos da Wal.