“Então, é isso!
- exclamou de repente em voz alta. -
Que
alegria!”
(Liév Tosltoi, in "A Morte de Ivan Ilitch")
É hora de se despedir de Ivan. Nós desembarcamos aqui, enquanto o trem suavemente deixa a
plataforma levado um Ivan mais leve e sem sofrimento. Consciente de
que a passagem e todo o ritual de dolorosa expurgação eram necessários. Aceno adeus a um Ivan que ruma para o seu destino tranqüilo depois do reencontro consigo, depois de esgotar todas as
suas dúvidas e de realmente enxergar-se.
Mas será que precisamos realmente passar por essa tortura
física e psicológica para só no fim nos encararmos dentro de nossas reais
condições humana? Acho que não! Se nos propusermos a passar um tempo dentro de
nós a cada dia nos avaliando, creio que nós nos reorganizamos por não
permitindo que nosso “eu” caia no caos de emoções tão normal diante das
atribulações diárias.
Certa vez fui a uma exposição de Salvador Dalí e fiquei muito
impressionada com uma estátua de um homem formado por gavetas. Se nós pensarmos
em nós da mesma maneira que Dalí provavelmente pensou, veremos que somos mesmo “engavetados”.
Feche um olho por um minuto e imagine se você não organiza os sentimentos assim
“em gavetas”. Uma gaveta de obrigações, outra de prazeres, pessoas
inesquecíveis, pessoas que não queremos mais ver, natais, invernos...
Às vezes, essas gavetas ficam meio reviradas porque na
correria do dia-a-dia não temos tempo para organizá-las. Vamos só jogando tudo
lá dentro e pensando “Eu ajeito tudo depois”. E esse é nosso grande erro! Não
teremos tempo para isso depois. E aí vai tudo ficando desequilibrado, amontoado de
decisões não tomadas; sentimentos amarrotados que não se ajustam quando
precisamos deles; desejos rotos por ficarem jogados e esquecidos no fundo de
nós e que depois de embolorados não podem se realizar mais.
Ivan acumulou tanto em suas gavetinhas que levou de um
longo caminho de dor para organizá-las e encontrar o que precisava para seguir
sua viagem. Não faça o mesmo com você. Comece hoje mesmo a se organizar. Quem
sabe há um número esperando que você ligue e diga “Me perdoa!”? Ou alguém precisando de seu abraço para poder
sorrir? Ou um rosto amarelado de algum retrato que espera a sua chegada? Sempre há alguma
inesperada surpresa nessas arrumações.
Não estou dizendo que será fácil. Nem que tudo voltará ao lugar num único dia. Só estou alertando que tudo
ficará melhor, mais limpo, mais suave. E uma vida suave se abre para nós com
mais possibilidades de se ser feliz. E foi para ser feliz que chegamos aqui a essa estação chamada Vida.
Até a próxima viagem!