"Ainda mais bizarra era sua dupla vida mental:
Uma parte dela vivia no presente;
a outra parte respondia
emocionalmente a eventos ocorridos"
(Yrvin D. Yalom,in "Quando Nietzsche Chorou")
__ Poderia ser você? – disse ele mostrando-lhe a aliança recém conquistada – Mas você não me escolheu. Preferiu ficar aí levando a vida desse jeito.
Ela o olhava paciente e compreendia bem o porquê daquilo. Ele guardava mágoas do passado. Ela podia sentir isso sendo despejado em seu colo letra a letra. E manteve-se em silêncio esperando que ele se esvaziasse por completo de seus sentimentos.
__ Ela acreditou em mim. Estou muito feliz! Ela é especial, sabe? Deus foi muito bom para mim. Vou começar uma família. Estou me sentindo realizado.
Ela escutou o discurso e de repente se deu conta do quanto ele se ressentia dela. Ficar quieta e em silêncio era o seu pedido de desculpas por não tê-lo desejado como ele esperava ou imaginara. Essas coisas não acontecem quando e como queremos. Acontecem e pronto. No caso deles, não aconteceu. Simplesmente não aconteceu.
__ Tenho projetos com ela. Você precisava saber disso para não deixar escapar mais ninguém. Poderia ser você agora, entende isso? Mas você simplesmente ficou inerte a tudo que lhe ofereci. Esqueceu-me. Deixou de lado. E, quer saber, foi bom para mim. Eu... Eu agora a tenho. Alguém que me quis. Que me deu valor e me levou a sério. Estou feliz! Nossa! Como estou feliz!
Ela só sorria e olhava para ele complacente e paciente. Então, ele se levantou. Procurou algo nos bolsos. Sorriu e concluiu.
__Bom, é isso! Eu queria que você soubesse que estou bem e feliz. Agora vou embora. Obrigado por tudo! Não vou mais incomodar você. Espero que você também seja feliz e que da próxima vez que alguém quiser lhe fazer feliz, você aceite.
Ela abriu um pouco mais o sorriso e assentiu com um meneio de cabeça e levantou-se para levá-lo até a porta. Ele parecia aliviado e uma vez à porta, respirou fundo.
__ Adeus!
__ Adeus! E felicidades.
Havia sinceridade nas palavras dela. Toda a sinceridade do mundo. E ternura também. Sentia-se em paz por tê-lo ajudado a acreditar que ele dera o troco nela e que agora ela estaria triste e pesarosa de não ser a esposa dele. Ela sentiu-se caridosa em ajudá-lo a vestir a fantasia de que era feliz mesmo sabendo que de vez em quando a realidade cairia nos ombros dele, levando-o a pensar nela, em como teria sido se fosse ela. Havia uma falsa sensação de coisas realizadas e ajustadas naquela tarde. E o mundo parecia perfeito.
Ele desceu a rua com mãos no bolso e pensamentos desconhecidos. Ela entrou, ligou o rádio, serviu-se de vinho e sentou-se feliz para ler Nietzsche.
“... Falei de amor! Trago uma dádiva aos homens”.
(Waleska Zibetti, in "Reencontros e Despedidas")