domingo, 16 de agosto de 2015

Os Mortos de James Joyce



Depois de ler vários autores que usam James Joyce como referência decidi eu mesma lê-lo. E escolhi a obra “Os Mortos” originalmente publicado em 1907. E abri o livro na expectativa de um grande acontecimento e me deparei com um acontecimento banal. Uma soirée anual das Senhoritas Morkan que são tias e prima do personagem principal Gabriel Conroy. Uma festa de fim de ano muito bem organizada, com músicas, danças, e uma ceia, o auge do entretenimento burguês.

Apesar de contada em terceira pessoa, a história possui um ponto de vista principal que é o de Gabriel que nitidamente sente-se superior aos demais participantes da festa por ser um homem mais intelectualizado e mais “continental” do que arraigadamente irlandês, como fica claro na preparação de seu discurso onde ele exalta a “hospitalidade” como uma qualidade nativa dublinense. Vale ressaltar aqui que Gabriel é alvo de várias gafes ao longo da narrativa onde ele parece querer mostrar o melhor da sua natureza. Por exemplo, ele faz uma observação até um pouco paternal à jovem Lily que é a serviçal da festa e acaba levando um carão, dança uma quadrilha com a Srta. Ivors que o espicaça como escritor anglófilo.
E tudo transcorre como deve ser: com os chatos de plantão, parentes bêbados inconvenientes e chatos, a prima que toca uma peça ao piano, os comentários normais, a nostalgia dos velhos, a despreocupação dos jovens, uma velha amiga intrigueira... Enfim, tudo corre conforme o esperado. Conforme vai amanhecendo, uns convidados se vão e outros seguem no salão, cantando árias irlandesas. Gretta, a esposa de Gabriel, os ouve a canção enlevada enquanto Gabriel mal ouve a letra.
Ao chegarem ao hotel onde eles estão hospedados, Gabriel procura pela mulher que parece distante, abstraída, inquieta. Ele insiste em saber o motivo e descobre pela esposa, que a velha ária tocada ao fim da festa a lembra de Michael Furey, já morto que teria sido seu primeiro amor. Chocado com a revelação Gabriel começa a repensar seus últimos e seus próximos passos. Como vencer um amante morto? Que pode Gabriel contra o ímpeto de se impor a essa figura do passado? Pois o passado não é apenas o território das perdas, no sentido de mortes pessoais, mas das perdas, no sentido de possibilidades que não voltarão.
Algumas coincidências não são à toa nessa narrativa e foram construídas para acentuar esse momento de inquietação de Gabriel. Por exemplo, devemos notar a excitação de Gretta quando o casal é convidado para uma viagem a região onde a Gretta pela última vez esse ex-amor,Michael Furey, na neve. Ou seja, todos os elementos da narrativa se ligam e se entrelaçam nos mínimos detalhes da trama.
 “Os Mortos” fala sobre a consciência da mortalidade numa trama onde os protagonistas não são jovens. Gabriel, em especial, está na meia-idade. James Joyce o fez com maestria, mesmo porque a maioria dessas conscientizações de vida decorre de acontecimentos banais, à primeira vista. Em “Os Mortos” o jantar da família Morkan, Joyce deixa bem claro, acontece todos os anos há vários anos com os mesmos pratos servidos, as mesmas pessoas fazendo as mesmas coisas. Ou seja, o tipo da rotina que faz com que esqueçamos que as pessoas podem não estar mais lá no próximo evento.

A descrição dos acontecimentos é feita no mesmo tom ordinário e comum. São pessoas reais, vivendo sua vidinha, sem pensar muito em si e no futuro. Sem mesmo buscar conhecer melhor as pessoas próximas tanto os estereótipos se arraigaram. E o choque de Gabriel é grande quando ele percebe que tudo pode acabar um dia. James Joyce te envolve de tal maneira no cotidiano, que não se espera o impacto do desfecho. O leitor fica sem chão, ciente da própria mortalidade e da mortalidade dos outros. Eu diria que esse é um conto que deve ser relido de tempos em tempos para que não nos esqueçamos de que tudo na vida uma hora chega ao fim.
(Waleska Zibetti, in "Os Mortos de James Joyce")