sábado, 26 de abril de 2014

Viver: Uma Estrada Sem Fim



Era hora de dar um sentido à vida.
Hora de começar de novo.
(David Nicholls, in “Um dia”)

Há de aprender com a vida aquele que descobre que ela vai além dos limites que os olhos alcançam. Há vida acontecendo nos micro-cantos do jardim nesse instante em que meus pensamentos se esbarram uns nos outros no desespero de sair sem ficarem esquecidos em mim.

O livro da vida foi escrito em várias línguas e poucos homens conseguirão ler. Não há faculdade no mundo capaz de fazer o homem mensurar a dimensão desse livro de capa velha escrita em páginas a partir dos sonhos de uma energia boa que convencionalmente eu chamo de Deus.

Há de aprender a viver aqueles que se deixarem ampliar através de suas dores, de seus amores, dos cheiros que o vento trás... Porque a vida está além do que as mãos tocam. A vida está no olhar. E é ele que precisa alcançar a essência no olhar do outro. É do encontro das duas essências que nasce o tal amor que as pessoas procuram tanto em curvas e perfeições.

Para viver é preciso espalhar-se pela vida como hibisco. Sempre que possível pontuando-a com flores e perfumes. Para viver é preciso não ter medo de ser tocado e é preciso correr o risco da lágrima ou do riso. Porque viver é atravessar dias de felicidade e noites de angústia sem perder a fé no caminho.

Permitir a si mesmo ser vinte e quatro horas fiel a si sem esquecer que ser fiel a si, é pertencer-se sem ignorar o outro. Viver é olhar a diferença dos que nos rodeiam sem julgamentos. É olhar os passos dos outros e entender as atitudes através das pedras que seus pés tocaram no caminho. É entender que ainda que não possa chamar todos de amigo e acolher, posso ao menos olhá-los com humanidade e desejar que eles caminhem em paz.

A universidade nos profissionaliza, mas é no ser humano que se aprende sobre a vida. Um homem do campo entende mais da terra que eu sei tanto das letras, e assim sendo ele me merece meu respeito no seu falar errado. A prostituta entende da noite, o vigia entende do silêncio, o pescador entender do mar, a freira entende mistérios, o doente entende do medo, o médico conhece da morte... Há sempre alguém que entende melhor de algo da vida que nós não alcançamos. E o fazem porque percorreram caminhos que desconhecemos.

Ninguém pode percorrer todos os caminhos e beber de todos os vinhos da vida. O que podemos é ouvir do outro e tentar entender. E entender nunca será o mesmo que viver. Contudo, é o mais perto que podemos chegar da experiência do outro. E quando a fome do outro nos deixa faminto, quando a solidão do outro nos invade, quando a loucura do outro nos alucina... Quando de alguma maneira, por instantes que sejam, nos esvaziamos de nós e de nossas certezas para sermos preenchidos pelo outro; então, estaremos começando a viver.

Ampliar-se ao invés de isolar-se, encaixar-se ao invés de adaptar-se, lapidar-se ao invés de emoldurar-se... Ser o vento na ventania e o remo na calmaria. Ser o raio da tempestade e o mormaço dos dias de calor. Ser a pétala da rosa na primavera e a semente esperançosa no inverno. Ser João e ser Maria. Experimentar. Ousar. “Ser” além de tudo. Crer, apesar de tudo. E amar acima de tudo. Isso é viver!