terça-feira, 12 de agosto de 2014

O Vinho e A Bailarina


Sentada no chão olhando a taça com dois dedo de vinho barato. Ele espera que algo aconteça. E nisso somos parecidos; eu tenho a mesma urgência de um acontecimento que essa taça de vinho.

Movimento o vinho na taça e ele quase derrama. Eu sou assim! A vida mexe comigo eu chego na borda, ao ponto mais extremo e depois me assento no fundo de mim outra vez. Sem perder nada e sem nada ganhar também. Talvez até ganhe um pouco de oxigênio para resistir a mais uma temporada no fundo da minha alma sombria.

Dou corda na caixa de música e fico olhando a bailarina rodopiando de braços para o ar. Ela é como eu. Prisioneira sorridente de uma caixa de ilusões. A mesma canção sempre e a mesma solidão. E a solidão já não dói mais como no segundo anterior. Eu fiz da bailarina a minha parceira essa noite.

A canção da caixa fala de uma noite estrelada...

E eu me reporto a algumas noites em que, entretida em gargalhadas, eu nem lembrava da presença das estrelas. Todas as estrelas de que eu precisava estava ali no olhar que me fazia sorrir. Mas estrelas morrem, se apagam ao cair no mar... As gargalhadas também se silenciam em lágrimas. Onde foram parar aqueles olhos?

Olho o céu, há tanta estrela nele. Mas nenhuma é tão brilhante quanto aquele olhar. E a bailarina para de dançar, a música silencia, o vinho ainda representa a espera e eu canto baixinho na janela da sala...

“Starry starry night, paint your palette blue and grey
Look out on a summer’s day with eyes that know the darkness in my soul...”

Minha loucura é a mesma sua, mas você não vê porque fechou seus olhos de estrelas para mim. Largou-me no fundo da taça de vinho. Será que quando eu me for de vez você me compreenderá 
assim como a diz a canção?

Não dance nunca mais bailarina! Não pise sobre minha solidão com suas doces sapatilhas. Não quero encarar meu abandono no seu rodopiar. Não dance nunca mais! Seus braços para o ar são os meus que estendo em busca de um abraço. Eu sou você bailarina prisioneira! Você presa a sua caixa de canção triste. Eu presa ao sonho de um amor de olhar triste. Não dance mais! Vamos nos guardar de mais um choro. Vamos nos poupar de lembrar das estrelas. Vamos esquecer nosso abandono.

Sentada no chão olhando a taça com dois dedos de vinho barato. Ele espera que algo aconteça. Eu faço acontecer... Com a ponta do dedo viro a taça, derramo o vinho... Liberdade, ao menos para um de nós nessa madrugada estrelada.

(Waleska Zibetti, in "O Vinho e A Bailarina")