domingo, 11 de janeiro de 2015

Enquanto Isso...



Enquanto ele caminhava pela rua pensava na infância agora tão distante. Era tempo de carrinho de rolimã e pipa com rabiola de jornal. Sua mãe era pobre demais e hoje ele tem coisas que nunca poderia imaginar naquela época. Tomava suco da fruta da época... Riu lembrando-se que na sua infância cada fruto tinha seu tempo e tudo estava ali descendo os seis degraus que separavam a casa do quintal. Ele tinha um cão de nome Corisco. E então se riu a valer sozinho caminhando pela rua. Corisco era nome de cavalo e de corisco seu cão não tinha nada: era magro, pulguento e vermelho de terra.  “Um dia bate um vento e leva esse bicho” – repetia sua mãe enquanto escolhia feijão para o almoço. E ele fechou os olhos por um segundo para sentir o cheiro. Ele só não sabia qual cheiro procurava se o da mãe, o da comida na lenha ou o da infância. E lá vai ele rua abaixo...

Ela estava indo pela rua como sempre fazia organizando em seus pensamentos a sua agenda apertadíssima. Enquanto caminhava apressada pela rua em seus saltos, ela revirava coisas na bolsa. Ela sempre procura na bolsa alguma coisa. Nunca entendeu que o que ela procura não está na bolsa. O que ela procura está nos olhos de alguém que ela nunca verá porque tem os olhos preso no fundo preto da bolsa lotada de coisas vazias. Ela tem que ir ao banco pagar a conta que vence hoje e ao dentista as quinze depois de passar na lotérica e fazer uma fezinha. À noite ela vai chegar a casa e preparar o jantar (macarrão que é mais rápido porque hoje a novela vai ser boa e ela não pode perder). No fim da noite ela abraçará o travesseiro pensando em coisas que fará amanhã enquanto revirará pela rua a sua bolsa de inutilidades. E lá vai ela rua acima...

Ele passa por ela e perde seus pensamentos felizes olhando curioso para a mulher linda que se esconde na bolsa. Ela nem ouve quando ele sorri e lhe diz bom dia porque ela sabe que estava ali, em algum lugar, o endereço da agência. E lá vai ele rua abaixo. E lá vai ela rua acima.
(Waleska Zibetti, in "Enquanto Isso")