quinta-feira, 26 de junho de 2014

Um Ponto Além



E bati, e bati outra vez, e tornei a bater,
e continuei batendo sem me importar
que as pessoas na rua parassem para olhar,
eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome...
(Caio Fernando Abreu, in “Além do Ponto”)


Estamos sempre indo ao encontro de alguém ou de algo. Uma busca incessante pelo que nos completa e amplia como lemos nos livros, como nos contam pelas estradas, como nos falam as músicas, como vemos nos filmes. Somos seres lacunares. Almas despedaçadas. Qual parte lhe falta?

Alguns de nós são corajosos se lançam no encontro sem proteção, sem medo. Ou será a inocência que nos leva a caminhar assim tão impulsivamente por aí permitindo que o outro entre em nossas vidas e depois se vá de nós nos mutilando mais uma vez? A maior parte de nós são cicatrizes. Qual a cicatriz que mais lhe dói?

Quando realmente se quer algo não medimos esforços para conquistar. A desculpa brota de algum tipo de desinteresse. E na multidão os solitários são os olhos de caçadores ávidos atrás de uma nova presa. E na vida todos são presas e caçadores. Qual papel você está desempenhando hoje?

Contudo, é importante que sigamos... Olhe para fora de si! Há um mundo muito maior que esse que você vê. Até onde podemos ir para atingir o que idealizamos? Mas aproveite as curvas do caminho para experimentar-se. Nos atalhos moram os perigos que fazem a diferença. O proibido é o vinho dos sábios. Somos criaturas imorais. Qual pecado você esconde?

Estamos sempre a procura. Não importa o quanto tenhamos encontrado. A vida é ir e ir e ir... A limitação do ponto é o desconhecimento do poder do espírito. Estamos em busca do inatingível. E na impossibilidade alguns se desesperam, se angustiam e se debatem. Somos criaturas conflitantes. Onde mora a sua dualidade?

Colecionamos rosto que esquecemos e que nos esqueceram. Imaginamos onde estão e o que fazem nos dias de chuva quando a rotina e o tédio são a corda para enforcamento da razão. Na solidão de uma casa alguém se questiona como teria sido. No cansaço do casamento eles se perguntam o porquê. O menino pensa no homem. A mulher pensa no menino. Somos criaturas curiosas. Qual parte de você, você ainda desconhece?

Mas é preciso ir além. Percorrer as vias do medo. Ultrapassar o limite da dúvida. É preciso não parar no porto. É importante que se lance para o horizonte. É fundamental que não desista. Apesar da pedra, do ponto, da porta... Somos criaturas errantes. Qual caminho você tomará hoje?

terça-feira, 24 de junho de 2014

Atitudes perfeitas!

"Somos suspeitos de um crime perfeito,
Mas crimes perfeitos não deixam suspeitos..."
(Engenheiros do Hawaii)


Todos são inocentes até que provem ao contrário. Mas na vida sempre andaremos em atitudes suspeitas. A nossa escritora Waleska Zibetti tem razão, assim como a Gabriella Lima também.
Mas esqueceram de tocar em um ponto: até que momento somos nós a andar em atitudes suspeitas?
Até que ponto o nosso desconfiômetro  estará ligado em carga máxima?
Até quando vamos ter essa falta de confiança no semelhante?
Já perdi as contas de quantas vezes fui assaltada, inclusive por pessoas bem vestidas, então, não é a aparência que importa, mas, o caráter e personalidade que se formou em nossa sociedade! 
Brancos, Negros, Mulheres, Homens, classe a, b, c... políticos, profissionais liberais... todos os dias em atitudes suspeitas. Mas qual era a atitude suspeita?

As respostas são as mais diversas e até contraditórias.
Até o próximo Post!

quinta-feira, 19 de junho de 2014

TODOS SÃO SUSPEITOS



Por Gabriella Gilmore

Me desculpe Wal, mas até que provem o contrário, para mim, todos são suspeitos.
Vivemos num mundo no qual não ser neurótico é anormal. Sim. Eu sou neurótica e não me tornei uma atoa. Mas a minha paranoia só é suspeita quando estou andando na rua e sempre tem alguém andando colado em mim, ou atravessa a rua logo quando eu acabei de atravessar ou quando estou em alguma fila ou entrando em algum ônibus. Para mim, a sensação de que serei assaltada de novo me vem toda hora.
Antes de eu ser assaltada há uns anos atrás, eu não suspeitava de ninguém. Achava que todo mundo era do bem. Andava falando ao celular, abria a bolsa no meio da rua, ficava em fila sem me preocupar em colocar a mochila na frente do corpo, porque vivia numa bolha em que assaltos só aconteciam com as pessoas lá de fora.
Uma vez, indo para a virada do ano novo, um casal mal arrumado nunca chamaria minha atenção, até aquele dia, quando fui abordada por eles tendo de entregar minha bolsa de colo. Levaram tudo o que eu tinha: dinheiro, celular, maquiagem, cd da Avril Lavigne (que nem era meu), uma garrafa de vinho e um Pack de Trident.
A partir de então, todo casal mal arrumado, de chinelo e boné, passou a ser suspeito.
Anos depois, na fila do ônibus, pronta para subir ao veiculo, algum sujeito, abriu minha mochila sem eu perceber e levou meu celular novinho. Só fui perceber isso quando sentei e vi a mochila aberta. Seis meses depois, com um celular ainda mais caro, o ocorrido passa a se repetir, e dessa vez com o ônibus vazio. Só havia eu, e o meliante atrás de mim, sentado, enquanto eu estava de pé perto à porta esperando o ônibus parar para eu sair.
Novamente abriu a mochila e levou o aparelho. Sim, o raio cai duas vezes no mesmo local.
A partir de então, passei a andar só com a mochila na frente, e todo mundo que cola em mim, seja em filas ou enquanto estou andando na calçada é suspeito, até que o mesmo siga quilômetros a minha frente sem ter me feito nada. “Esse era inocente”.
A sensação de impotência e insegurança é horrorosa, porém não foi algo que eu criei sozinha.
E para resumir o meu pensamento, segue uma frase de um autor leitor corporal que a pouco descobri.

“As nossas expectativas, sem dúvida, nos levam a pensar de formas determinadas. E como acabamos de ver, é difícil abandoná-las. Por isso a primeira impressão nos marca tanto e torna difícil retificar opiniões. (...) A aparência de uma pessoa determina então de maneira inevitável a primeira impressão que esta nos causa.” – Thorsten Havener – em O mentalista.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Atitude, Sim. Suspeita, Talvez.




Sempre me intriga a notícia
de que alguém foi preso
“em atitude suspeita”.
É uma frase cheia de significados. 
(Luis Fernando Veríssimo)

Reparou que quando não andamos na mesma mão da maioria rapidamente ganhamos rótulos no meio em que vivemos? É muito difícil as pessoas entenderem que cada pessoa é um ser único. E que gostos, credos, cores... Não formam caráter. Aliás, o que é mesmo caráter, heim? Caráter, para a psicologia é a individualidade pessoal e social de alguém. Individualidade... Cada ser nesse mundo é um indivíduo ímpar, incomparável e insubstituível.  Logo, não há como pensamentos serem exatamente iguais.

A sociedade criou estereótipos comportamentais tão fortes e tão antigos que esses se impregnaram em nós como se fossem parte do nosso próprio  DNA. Parece tolice, não é? Mas pense em quantas vezes você evitou a manga com leite ou passar embaixo de escada? Ainda acha pouco? Quantas vezes ao perceber o olhar de uma criança de rua vindo em sua direção, você apertou contra si mais forte a bolsa que carregava temendo o roubo? Quantas vezes você se surpreende com um vídeo onde um morador de rua revela algum talento não compatível a sua realidade social? Mas será que toda criança de rua rouba, todo mendigo é burro, todo roqueiro adora o diabo, todo evangélico está salvo, todo anjo é puro? A generalização e banalização dos comportamentos podem acarretar no não entendimento de um todo e por isso mesmo no cometimento de injustiças.

Certa vez um homem que admirava muito por sua inteligência sentenciou em uma conversa: “Não se pode amar uma prostituta. Elas não querem ser de família”. Todo o meu encanto por aquele homem quebrou-se como cristal ao cair no chão. Explico-me. Convivi com prostitutas, conversei com elas várias vezes, e suas histórias são geralmente de muita dor. E a grande maioria adoraria não estar ali e ter o direito a ter um casamento sóbrio, feliz onde elas fossem amadas e respeitadas. São mulheres de posição firmes e aparentemente frias. Contudo, muitas delas escondem nas atitudes distantes corações apaixonantes para poderem continuar vivas naquele meio. Este homem, nordestino, com certa idade, criado para ver até mesmo a própria esposa como procriadora; teve, provavelmente, esse estereótipo implantado nele desde cedo. E hoje se incapacitou para uma visão mais ampla da situação.

Outra situação vivi há pouco tempo quando saí de uma reunião em uma empresa e ao ligar o meu celular um dos supervisores percebeu que eu ouvia Kiss. Ele me perguntou “Você é roqueira?”. E eu com um sorriso amistoso disse que sim. Ele disse como pode uma mulher tão refinada gostar disso. Fui obrigada a gargalhar dentro do elevador. E depois vendo que ele não cederia dentro de sua concepção eu o encarei e disse baixinho: “O pior você nem imagina. Também como morcegos!”.

O que quero com os dois exemplos é mostrar que é preciso que aprendamos um meio de fugir desses conceitos que nos incutem antes mesmo que possamos ter uma consciência crítica do assunto. É preciso que, como pais e educadores, comecemos a construir uma nova geração capaz de entender por si e para si o conceito de certo e errado, bom e ruim, bem e mal... É possível, por incrível que pareça fazer uma criança pensar em ação e reação, atos e consequências, erro e perdão... Sem ter que falar em pecado, sem ter que criar fórmulas para tudo, sem ter que criar modelos... Educar com consciência e respeito, com amor consciente e não cego. É importante que os pais entendam que seus filhos são para o mundo e como tal serão responsáveis pelo o que adicionarem ao mesmo.

Ninguém é suspeito por andar de preto, por ser caladão, por falar com plantas, por ler poesia. Nenhum menino é homossexual só porque usa rosa. Nenhuma menina é lésbica só porque joga bola. Deus não castiga se você xingar um palavrão quando estiver com raiva. Os pais não têm sempre razão porque são humanos. Ninguém tem que agir contra si para se enquadrar em um grupo.  É preciso que nos conheçamos melhor que aos outros. Ainda que isso nos deixe em atitude suspeita. 

Até breve!!!

quarta-feira, 4 de junho de 2014

O Desembarque



“Então, é isso! 
exclamou de repente em voz alta. - 
Que alegria!”
(Liév Tosltoi, in "A Morte de Ivan Ilitch")

É hora de se despedir de Ivan. Nós desembarcamos aqui, enquanto o trem suavemente deixa a plataforma levado um Ivan mais leve e sem sofrimento. Consciente de que a passagem e todo o ritual de dolorosa expurgação eram necessários. Aceno adeus a um Ivan que ruma para o seu destino tranqüilo depois do reencontro consigo, depois de esgotar todas as suas dúvidas e de realmente enxergar-se.

Mas será que precisamos realmente passar por essa tortura física e psicológica para só no fim nos encararmos dentro de nossas reais condições humana? Acho que não! Se nos propusermos a passar um tempo dentro de nós a cada dia nos avaliando, creio que nós nos reorganizamos por não permitindo que nosso “eu” caia no caos de emoções tão normal diante das atribulações diárias.

Certa vez fui a uma exposição de Salvador Dalí e fiquei muito impressionada com uma estátua de um homem formado por gavetas. Se nós pensarmos em nós da mesma maneira que Dalí provavelmente pensou, veremos que somos mesmo “engavetados”. Feche um olho por um minuto e imagine se você não organiza os sentimentos assim “em gavetas”. Uma gaveta de obrigações, outra de prazeres, pessoas inesquecíveis, pessoas que não queremos mais ver, natais, invernos...

Às vezes, essas gavetas ficam meio reviradas porque na correria do dia-a-dia não temos tempo para organizá-las. Vamos só jogando tudo lá dentro e pensando “Eu ajeito tudo depois”. E esse é nosso grande erro! Não teremos tempo para isso depois. E aí vai tudo ficando desequilibrado, amontoado de decisões não tomadas; sentimentos amarrotados que não se ajustam quando precisamos deles; desejos rotos por ficarem jogados e esquecidos no fundo de nós e que depois de embolorados não podem se realizar mais.

Ivan acumulou tanto em suas gavetinhas que levou de um longo caminho de dor para organizá-las e encontrar o que precisava para seguir sua viagem. Não faça o mesmo com você. Comece hoje mesmo a se organizar. Quem sabe há um número esperando que você ligue e diga “Me perdoa!”?  Ou alguém precisando de seu abraço para poder sorrir? Ou um rosto amarelado de algum retrato que espera a sua chegada? Sempre há alguma inesperada surpresa nessas arrumações.

Não estou dizendo que será fácil. Nem que tudo voltará ao lugar num único dia. Só estou alertando que tudo ficará melhor, mais limpo, mais suave. E uma vida suave se abre para nós com mais possibilidades de se ser feliz. E foi para ser feliz que chegamos aqui a essa estação chamada Vida.

Até a próxima viagem!


terça-feira, 3 de junho de 2014

VIVO-MORTO




Por Gabriella Gilmore


"...A transformação  gradual de um homem vivo como todos nós em cadáver."
A dor é veículo de consciência, disse um grande pensador uma vez.
Ivan chegou naquele estágio no qual a dor já não fazia mais sentido e que a morte seria o alívio, mesmo sendo algo que ele não queria para si. Quem suportaria se ver morrer?
A imortalidade chega a ser um sonho inconsciente de cada ser humano.
O doutor dizia que os sofrimentos físicos dele eram terríveis, mas que os seus sofrimentos morais eram mais terríveis que os carnais, e nisso consistia a sua tortura maior.
Ivan não agüentava mais a culpa que nele existia por ter chegado ao estado em que chegou. Mesmo ele negando qualquer coisa que seja, no fundo, ele merecia a morte que estava passando.
Relutando contra o orgulho ferido, só encontra paz ao receber a comunhão do padre, e finalmente ele se dar por vencido, dizendo: "Acabou. A morte acabou. Não existe mais".
Essa catarse que o autor faz de Ivan e sua morte é muito real. Nos passa como se a morte fosse algo vivenciado aqui no plano terrestre, e depois que se vai, ai sim, você "vive".
Ivan pode vivenciar de perto e por meses uma morte literalmente lenta e dolorosa, e faz com que o leitor possa refletir sobre suas ações em vida e também numa "pré-morte".