quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Viajando Com Waly Salomão






Conheci esse autor por acaso. Nunca ninguém havia me falado dele ou citado uma frase dele sequer para mim. Mas um dia eu estava procurando Walt Whitman e me deparei com Waly Salomão. Essas coisas que não acontece com ninguém, mas com Waleska tudo é diferente. 

Waly entrou em mim com seu jeito de dizer tudo sem compromisso. É assim que eu viajo com ele nas ideias dele. Sem compromisso do agrado ou do certo e errado. 

Ele é tipo de vício químico. Leu uma vez, não esquece, não para. Pior ainda! Reflete dentro dele ou a partir dele. Sei lá! Na verdade, aço que sei , mas não sei explicar. Waly é Waly. É assim ponto e pronto!

O livro que proponho para nossa viagem é “Tarifa de Embarque”. Tomem seus lugares e, por favor, não se assustem com nada que lerão. Poesia é isso aí: contato com o intrínseco, o “nós mesmo”. Então, nada de cair do assento. Afivelem-se bem para essa leitura de mim pelas palavras de Waly Salomão. Um trecho dele e um pedaço de mim em meus pensamentos íntimos. Só se entreguem a viagem, só se deixem ir; porque viajar sozinho é ruim. 

Ouçam! Já soa o apito. O trem já vai saindo. Lá vem ideia... Lá vamos nós!!!


“Estamparam um desenho de Tarsila na paisagem
Menino que pega ovo no ninho de seriema.
Pessoas sentadas nos bancos de calcário
Dão a vida por um dedo de prosa”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)



As imagens que se formam em meus pensamentos quando leio esse trecho de poema, são todas da cidade de minha avó. Pequenos recortes de minha infância. A Praça Sete e a igreja. O cemitério e os bares. Sinto falta daquilo que na época era tão desimportante. Nada existe como antes nem em mim nem na cidade. Está tudo tão distante. Foi para longe no caixão de minha avó. 

“Que o poeta brutalista é o espeto do cão. 
Seu lar esburacado na lapa abrupta. Acolá ele vira onça
e cutuca o mundo com vara curta”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


O duelo de um poeta e seus sentimentos eu já presenciei várias vezes. Ele ergue a caneta e retalha a página branca com seus pensamentos ferozes. Morte, amor, paixão, sorte; tudo vira enxurrada de versos. Cada movimento da caneta um pensamento abortado ou parido. A dureza do poeta é em verso, redondilha, matematicamente alexandrino.  Loucos armados de tinta e folha caçar gigantes ideias que os simples não alcançam pois estão condenados a ser pobres Dulcineias e Sanchos.

“Me envie sinais.
Não fique sem me dizer nada. 
Quero me certificar que não foi interceptada 
minha mensagem para um Destinatário Especial: você”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


Em um reino distante um rainha anseia a volta de seu rei. Um minuto vira ano. A saudade é maior que qualquer castelo já erguido. Onde estás que não responde ao grito de amor que jorra de um olhar?

“Fiz tudo ao contrário... Sou todo ao convulsivo...”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


Esperam que eu vá pela direita, fujo, então, pela esquerda. Pedem para que eu ande em linha reta e eu ziguezagueio pelas pessoas. Sou a esquerda, o oposto, o inverso Eles buscam coerência, eu idolatro a loucura. Eles lutam pelo linear, eu admiro espirais expandidos por aí pelos céus, pelos ares. Eles refletem, eu experimento. Eles chão, eu vento. Tão senhores de si, eu tão minha menina. Noite, cafuné, beijo sem promessa. Ah, sou essa que indaga o porquê que não se encontra. E se não houver mesmo o tal porque? Que engraçado seria se de repente descobrissem que tudo que dizem ser verdade são apenas mentiras. Os mais frágeis morreriam e o mundo seria o reino dos loucos de amor. 

“Joguei meu lenço pra cima
nos ares virou açucena
você gosta da cor alva
eu gosto da cor morena”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


Mistura doce que me impregna 
a pele mulata tão mítica
é quente e fogosa minha cor
gosto mesmo ser morena, meu senhor!

“Escrever poesia é como surfar”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


Curte a marola meus dias sem glória.
Curte a revolta meus dias de luta.
Curte a maresia meus dias de nostalgia.
Curte as enchentes meus dias doentes.
Curte o frescor meus dias de amor
O mar, para mim, é tudo!

“Pelas ondas sabem-se os mares
lambem-se as margens”
(Sutra, in “Sailormoon” – 

citado em “Tarifa de Embarque” 
de Waly Salomão)


Observe-me pela fresta e me verá tão parcialmente quanto qualquer outro. Espero alguém que me escancare que encare o monstro de frente, o enfrente. Alguém capaz de ampliar-me, mostrar-me meus pontos além do horizonte. Alguém para ser meu mar onde meu eu veleje e se perca das margens, do rumo. Quero alguém que me explore sem bussolas. Guiando-se apenas pelas minhas estrelas loucas que nunca estão no mesmo lugar. Porque gente como eu precisa ter no outro um mundo inteiro. Quero alguém oceano onde o meu eu aventureiro possa se espalhar em aventuras apaixonadas. 

Observe-me pela porta aberta e me verá na íntegra, o que integra minha terra e meu éter. Absorva-me, me inspire, me envolva, me alongue em si, me transborde de ti. Esse é o alguém que procuro. 

“Sou sírio. O que é que te assimbra,
estrangeiro, se o mundo é a pátria em 
que todos vivemos, paridos pelo caos?”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


Pariu-me uma prostituta carioca no fim de 71 e deu-me filhote para uma boa senhora criar-me.  A doce senhora eu chamei de mãe. Amei-a. Educou-me para amar. Amei, por fim, aquela que me pariu. Amor é um aprendizado. Infelizmente, não aprendi a amar direito. Quero muito ainda sabê-lo. Hoje tenho filhos. Eu os amo! Mas ainda penso que amo errado. Porque não entendo o amor no ato da prostituta e também não o entendo na educação da boa senhora. Só entendo o amor que dou aos meus filhos. Esse sim é grande. Enorme! Mas queria mais. Queria entender o amor de Eros. Esse das histórias do para sempre. Mas acho que uma parte de mim continuará sempre carente. Aquela parte de filhote de prostituta. 

“Perambule
- as divindades te dotam deste único talento”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


Aprende a arte de caminhar
Pela vida, pelos povos, por ti.
Aprende a notar o caminho
o detalhe dele
as cores que não são as mesmas 
pela manhã e ao entardecer.
Aprende a caminhar pela tua história
e entenderá que o acaso
é uma rodovia de belas paisagens.

“Você parece uma dama
que carece de acalanto”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


Dorme minha pequena menina dentro dessa mulher crescida e acrescida de tantos danos. Caos humano! Dorme e faça leve o acordar da mulher endurecida, lapidada a duros cortes de navalha. Dorme e não amadurece nunca porque em ti dorme junto a esperança de que um dia a mulher descansa em paz além de tudo e sobre tudo no voo pleno de uma borboleta que de tão azul vira céu.

“Todo mundo sabe, sou uma lisa flor de pessoa, 
Sem espinho de roseira nem áspera lixa de folha de figueira”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


Sou doce de fundo azedo. Pitanga! Sou caudalosa, macia, saborosa. Manga! Sou um pouco de tudo que é fruta e flor. Sou gente, as vezes. Acho melhor ser flora e fauna e mito. A morena cor de canela com cheiro de rosa. Sou poesia! Mas quando ele chega com jeito de cravo... Ah, me perdoem senhores, mas sem pudores me abro em prosa. 

“Na minha mente é que as rosas desabrocham
E esplendem
E aí quedam”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


Faz-me a gentileza de olhar-me nos olhos e ver o porquê dos meus jardins e dos meus pântanos. Faz-me o favor de não parar na minha superfície se for para viver comigo. Mergulhe em mim e sinta o sabor do que sou envolvê-lo e levá-lo aos meus desejos profundos. Faz-me um agrado e se entregue se quer viver comigo. Não sei lidar com o superficial, o pequeno, o estreito, o limitado. Entenda, por favor, essa minha loucura de ser mais e tudo. 

Meus pensamentos fervilham o tempo todo. Milhões de vozes e vidas me povoam. São mares e oceanos, terras e infinito. Alguns deles habitam jardins floridos e outros se lançam em abismos profundos. Vejo beleza nas rosas, mas acho fascinantes os espinhos. 

“Fora de fábula
Nenhum mendigo vira milionário.
Fora de fábula
Nenhum milionário vira mendigo”
(Waly Salomão, in “Tarifa de Embarque”)


As vezes penso que a vida é mais fácil da porta para fora. É que olhando de dentro tudo é mais fácil para os outros. Tudo é mais feliz e bonito. Famílias não se odeiam, filhos são perfeitos, maridos não arrotam na sala vendo TV... É tão mais madura a manga na esquina que minha boca saliva. Não é inveja! É só vontade de pisar lá fora. Mas sei que se eu pisar, vou encarar uma cruel realidade de que fora dentro do outro portão a vida também é uma merda. 

Desembarque, senhores! Hora de trocar de trem, de história, de rumo. Para onde você vai? Eu nunca saberei, não é mesmo? Mas o bom é saber que em todo caminho há sempre o ponto do reencontro. E nós, em breve, nos encontraremos para uma nova viagem em outro livro.

Até lá!