“E quanto mais longe da infância,
quanto mais perto do presente,
tanto mais insignificantes
e duvidosas eram as alegrias”
(Liev Tolstoi, in “A Morte de Ivan Ilitch”)
A cena se abre com nós dois sentados no fundo de nossas
consciências. Somente você, eu e as nossas lembranças que sempre insistimos em
manter presas num suposto esquecimento. Lá onde repousam nossos sonhos frustrados
e nossos medos nos recebem com seus sorrisos amarelados e podres. É de lá,
desse mesmo calabouço psicológico que vieram os fantasmas que atormentaram Ivan
Ilitch em seus últimos dias.
O velho moribundo estava condenado a enfrentar o pior inimigo do homem: a visão do próprio passado. Talvez fosse melhor a loucura, a perda total de contato com qualquer coisa que um dia foi real; a encarar as farsas em que viveu. Um homem vazio quando longe da toga que dava prestígio, uma criatura medíocre longe do título que lhe poder. Um velho estorvo condenado no fim de tudo.
O velho moribundo estava condenado a enfrentar o pior inimigo do homem: a visão do próprio passado. Talvez fosse melhor a loucura, a perda total de contato com qualquer coisa que um dia foi real; a encarar as farsas em que viveu. Um homem vazio quando longe da toga que dava prestígio, uma criatura medíocre longe do título que lhe poder. Um velho estorvo condenado no fim de tudo.
"O que mais atormentava Ivan
Ilitch era que ninguém tivesse pena dele como ele queria que tivessem..."
(Liev Tolstoi, in “A Morte de Ivan Ilitch”)
E o velho
grita... Resmunga... Reclama... Contesta... Ensandece na dor. Mas qual dor era
mais cruel? A física ou a da alma? Quantas vezes o quarto onde perecia, Ivan
não tentou abafar no grito a decepção de descobrir-se um não-amado, um
não-desejado, um não-querido?
Ah, amigo,
acredite não há pior inferno que nossas próprias dúvidas, nossos próprios
erros, nossas próprias culpas nos acordando no meio da madrugada para nos fazer
contorcer em doloridos pensamentos. Os arrependimentos são os chicotes que a
memória usa para nos açoitar no peito. Somos escravos, amigo! E o passado é o
nosso capataz voraz.
Ivan
achava que merecia mais daqueles com quem conviveu. E não somos todos assim,
meu amigo? Não estamos sempre esperando que os outros vejam nossa infinita
bondade, solicitude, altruísmo... Criaturas impecáveis, inteligentes,
elegantes, perfeitas... Temos que ter o melhor desses que têm o privilégio de
estar ao nosso lado. Não é assim que pensamos? No fundo somos todos criaturas
mesquinhas e egoístas. Temos em nosso íntimo pedacinhos de Ivan que fervilha
vez ou outra.
“Chorou pelo seu desamparo, pela
sua horrível solidão, pela crueldade dos homens, pela crueldade de Deus, pela
ausência de Deus."
(Liev Tolstoi, in “A Morte de Ivan Ilitch”)
Mas e
no fim? E quando formos nós no leito?
Quem terá pena de nós? Quem não se queixará por vir tão longe para as visitas?
Quem terá lembranças boas de nós ao redor da nossa urna? Será que Deus se
apiedará e reconhecerá o que há de bom em nós? Deu medo? Não tenha! Mude!!! Declare
morte a Ivan! Morte aos Ivans! Morte a tudo que nos adoece!
Tome coragem de fazer mudança. Olhe-se no espelho e busque seus monstros. Cace-os, aprisione-os, vença-os e reescreva suas rotas, seus objetivos, seus modos. Liberte-se dos vícios de ser melhor para aceitar a possibilidade de ser eterno aprendiz. Esvazie-se da soberba do “eu sei” para preencher-se da doce necessidade da busca. É esse o caminho: observar, absorver, aprender, compartilhar... Plante mais amor nos seus dias. Humanize-se. O mundo não precisa de mais sábios fechados em seus conceitos e certezas. O mundo precisa de humildes humanos que ensinam.
E a
cena vai se fechando. Vou deixar você aí para pensar. Sozinho como Ivan. Ele
estava doente e sabia que iria morrer. Não é o seu caso. Ele nada podia fazer
para mudar seu destino. Você pode. A grande pergunta é: Você quer?
Até breve!
Até breve!