Ele era um homem que não gostava de pessoas. Isolava-se dentro de sua casa, de seu jardim, tudo solitariamente cinza. Observava os movimentos da rua, mas não tinha a menor vontade de juntar-se a ele. Preferia o silêncio de sua sala sem televisão e com centenas de livros. Todos antigos, cheirando a bolor, amarelo-cansaço como ele próprio diante da vida.
A única coisa que o fazia sorrir era observar os pássaros que passavam sobre sua casa, que pousavam nos fios da rua ou temporariamente no chão do quintal. Ao notar a aproximação ele colocava-se tão imóvel que parecia não respirar. Era preciso que os pássaros não se assustassem, não o percebessem, não fugissem dele... Enquanto estavam por perto seus anos voavam para longe e ele era menino a jogar milhos aos pombos ao lado de seu pai. Menino correndo em piruetas no meio dos pombos a sorrir em liberdade. Menino-pombo, menino-voador, menino-passarinho...
Certo dia ele amanheceu em sua escrivaninha de madeira escura-pensamentos e decidiu sair para passear. Vestiu-se de preto-seriedade e perfumou-se de almíscar. Andou pelas ruas que ainda dormia olhando as casas de sua vizinhança. Nas árvores pardais comentavam o estranho passeio do velho. E ele olhava para as copas das árvores esforçando-se para sorrir. “Eu posso me mover, amiguinhos, mas não lhes farei mal algum”, assoviava.
Caminhou até chegar a pracinha que amanhecia dourada de felicidade. E sentou-se no banco para observar os primeiros pombos chegarem ao local. Enfiou a mão no bolso e tirou um saco de saudade e começou a atirar aos pombos. Os grãos escorregavam em volta dele e ele observava seus amigos se aproximarem arrulhando “obrigados”. Ele sorria feliz.
Encostou-se no banco de braços abertos olhando o céu. Revoadas de andorinhas passaram em arruaça tremenda. Nuvens brancas começaram a tomar forma do rosto do velho pai. E o pai sorriu para ele como fazia ao vê-lo no meio dos pombos quando ele ainda era um menino. E ele gargalhou sonhos que ecoaram na praça dos pombos. O sol atingiu-lhe o rosto envelhecido turvando a visão.
Pássaros de todas as cores e tamanhos se aproximaram dele fazendo gracinhas a sua frente. Queriam agradar-lhe. Queriam fazê-lo sorrir. Eram pássaros de todas as espécies vindos não se sabe de onde a brincar com o menino passarinho na manhã de paz. Até que ele se levantou correndo entre os pássaros, rodopiando-passarinho, menino de asas... E os pássaros iam lado a lado acompanhando o amigo em seu voo despedida pelo céu azul-liberdade.
(Waleska Zibetti, in "Homem Passarinho")