Quando
comecei a leitura da segunda parte de “Morangos Mofados” pensei
que leria textos ainda mais poéticos, mais líricos, suaves… A
ideia de que os “morangos” escorregariam pelos meus pensamentos
trazendo-me frescor e leveza para os dias, foi
para o ralo no primeiro conto.
Na
verdade os “morangos” despertam em nós uma fome louca de pensar
e revira-nos o estômago em centenas de experiências que comodamente
deixamos esquecidos no inconsciente. Eles travam na boca com um gosto
amargo. E descem rasgando abrindo velhas feridas. (Ao menos foi assim
comigo!)
Eu
estava em cada conto lido. Um pedaço de mim tatuado em cada um
deles. Na solidão do espelho, no passeio de carro, na inocência
perdida, nos quadros, nos medos, nas dúvidas. E de repente, eu mesma
era Caio Fernando de forma íntima e dolorosa. Eu sentia cada momento
na minha própria pele, cada conflito, cada febre. Acho que os
morangos ressuscitaram cada um dos meus moinhos de vento com os quais
batalhei toda uma vida e eu me vi revirando-me toda intensamente.
Contudo,
em momento algum tive pena de Caio ou de mim. Nem mesmo aquela
vontade tão
corriqueira de
chorar o que seria
lógico
naquele momento. Eu deveria ter chorado, chorado, chorado… até
esgotar de mim tudo aquilo que se remexia e doía em
mim e em Caio. Mas
eu
não tive dó de nós dois. Porque esses personagens que circularam
por mim e Caio é que nos fizeram o que somos. Ele foi grande porque
tinha esses personagens para provocar-lhe a essência poética. E eu,
tornei-me essa torre agigantada e
para nessa
coisa meio poeta e louca que sou.
Tinha,
pois, a cada leitura a ilusão de andar num trem cada vez mais
descarrilhado partido de não sei onde e indo para uma certeza de
infinito que nunca se findará porque sempre virá um novo
personagem. E eu lia, lia, lia… Porque já não era mais Caio era
eu olhando da janela aquelas paisagens de passado ou de borrão
futurístico. Meu Deus! Que sensação impressionante! Quantos
sentimentos intensa e insanamente confusos.
Não,
senhores, ler os “morangos” não foi fácil que
o “mofo”!
Definitivamente foi dolorido. Sadicamente prazeroso. Mas li-os, ou os
engoli, um a um. Saboreando o amargor como quem espera nisso algum
tipo de redenção ou salvação. Então,
não pude desmembrá-los como fiz com a primeira parte. Não dá! Os
morangos são um monobloco sensitivo. Só existem assim unidos,
intrincados.
Contudo,
penso que entendi Caio Fernando como nunca entendera antes. Entendi
todos os outros que li antes desse. Eu furei a fila, sabe? Minha
relação com ele tinha que ter começado aqui. Para depois vir “Os
Dragões Não Conhecem o Paraíso”, “Onde Andará Dulce Veiga”,
“O Triângulos das Águas”, “Ovelhas Negras”… Hoje, não
sou mais uma leitora de Caio Fernando. Hoje, sou uma parte dele. Uma
parte que sobreviveu.
Talvez
seja assim que os artistas se eternizam. As pessoas se identificam
com o que leem, visualizam, tocam…
E eles sobrevivem ao seu tempo e a todos os tempos que virão.
Imortais enquanto seus sentimentos existirem em algum fã. Eternos na
identificação do outro na sua própria dor, alegria, ódio, amor…
Ah,
que
ilusão e surpresa
foi
essa de achar que os Morangos seriam mais
fáceis e doces. Que paixão me despertaram ser aqueles personagens e
o reencontro com os meus próprios. E agora serão os dois. Unidos os
Morangos e o Mofo que
me
esperam na terceira parte. E
que será que REALMENTE
me espera lá?
Não sei! Mas antes de ir até eles, vou respirar um pouco e
beber
um vinho.
Até
breve.
Waleska Zibetti