quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O Mundo de Todos Nós



“O mundo pode ser um palco.
 Mas o elenco é um horror.”
 (Jostein Gaarder, in “O Mundo de Sofia”)


Há alguém olhando por nós ou estamos sozinhos? O que acontece quando tudo acaba? Qual é o seu papel no mundo? Penso que Jostein Gaarder quis bem mais que falar de filosofia em sua obra. Penso que ele quis nos tirar de um lugar cômodo e seguro onde pensamos estar, para fazer com que nós nos movimentemos em dúvidas inquietantes. Quem ousaria pensar e ir até a ponta do pêlo do coelho branco anteriormente? Poucos!

Li  “O Mundo de Sofia” aos trinta anos. Um momento de despertar em minha vida. Tinha recém tido meu segundo filho e meses que eu morava numa nova cidade onde não conhecia ninguém. Foi fácil manter-me mergulhada nesse universo de pensamentos insanos proposto pelo escritor. E a medida que eu mergulhava nele, eu me trazia a tona.

Não é fácil a leitura desse livro. E se você tiver preguiça de pensar, ele pode tornar-se enfadonho. São muitas informações sobre linhas filosóficas misturadas a trajetória de uma adolescente curiosa. A escolha de uma heroína não torna o livro mais leve. Em minha opinião, o autor foi inteligentíssimo na escolha adolescente. Adolescentes são curiosos e não temem experimentar-se e ousar. E é através desses olhos adolescentes e curiosos que ultrapassamos o portal para dentro de nós e algumas de nossas dúvidas primordiais.

Há alguém olhando por nós ou estamos sozinhos? Quando posso olhar as estrelas a noite, me pego a perguntar em qual delas Deus mora. E rio sozinha pensando de onde tiro essas bobagens.  Talvez Deus não exista. Talvez nenhum desses avatares supremos exista. Mas me conforta imaginar que há além do limites que minha compreensão alcança alguém que me cuide, que me protege do mundo, que me orienta nos momentos de dúvida e que vibra nos meus momentos de chegada. Se Ele não existe, ao menos, Ele me conforta na ideia de que está lá em alguma estrela me amando incondicionalmente e torcendo por mim.

O que acontece quando tudo acaba? Imagino que um dia eu amanhecerei a esquina de uma rua longa onde casinhas simples de cores claras e sem cercas estarão começando seu dia. Cheiros bons de café e bolo quente estarão cobrindo a rua onde eu caminharei levando apenas uma mochila nas costas carregada de pequenas coisas como sonhos, sentimentos bons, pensamentos... Até que em uma das casas da varanda meu pai me sorrirá e me abraçará dizendo “Bem vinda!”. E haverá tanto amor e carinho nessa recepção que pouco me importará porque estou ali. E tudo que se passou de tristeza e dor, morrerá naquele abraço. E eu terei renascido para uma nova história num mundo aonde só vão os que não tiverem medo desse aqui.

Qual é o seu papel no mundo? Meu papel é o de aprendiz. Esse mundo que estamos é o mundo do servir, da doação, da superação. E aprendemos ao servir sobre a humildade e sobre a ingratidão, sobre o desprezo e sobre a gratidão. Doando-se aprendemos sobre o amor e ódio, sobre o ter e a falta, sobre humilhação e engrandecimento. E nos momentos de superação aprendemos sobre força, união, coragem, amor e fé. Foi servindo que aprendi o valor de um “obrigado” e foi sendo servida que aprendi como é bom poder contar com alguém. Vou me doando que aprendi a não me queixar da vida e foi recebendo que aprendi o real valor de um abraço na hora da dor. Foi erguendo alguém da queda que entendi porque Deus me fez essa fortaleza que aparentemente sou e onde muitos se apoiam. E foi caindo que aprendi que Deus está lá nas estrelas, mas quando preciso, Ele vem correndo me aparar aqui na terra. E o meu papel no mundo é aprender como me humanizar todos os dias para continuar a ser merecedora desse acolhimento divino. 

Quem ousaria pensar e ir até a ponta do pêlo do coelho branco anteriormente? Não eu! Mas graças a esse livro e tantos outros, eu cheguei lá. E de lá não quero mais sair. Hoje caminho pelas pontas dos pêlos em busca de algo ainda além. Porque sei que há alguém além. Sempre há para quem se dispões a ir além.


Até a próxima leitura.