quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Sob Olhar de Um Lisboeta





Ela estava tão cansada naquela noite. Os pensamentos como sempre a fervilhar centenas de bobagens que não a deixavam dormir. E ela, então,decidiu caminhar por aí. Dezenas de rostos sorriram para ela naquela noite, mas tinham risos vazios que nada diziam para ela. 

Era tarde. Uma chuva fininha caía sobre as vidraças das janelas. A solidão estava tornando-se incomoda. Nenhum poema, nem música, nenhum vinho... Nada para aliviar os pensamentos que a perturbava. E ela já voltava a casa quando um rosto dentre tantos chamou-lhe a atenção. Instintivamente aproximou-se- sempre fora curiosa. 

O rosto abriu-se em um sorriso bonachão. E o sorriso dele convidou o dela para caminhar lado a lado. Falaram tanto e por tanto tempo que ela esqueceu que o dia logo amanheceria com suas urgências de praxe. Mas o que importa o que virá no momento seguinte quando se está feliz? A felicidade nos dá a sensação de sermos atemporais. E ele a fazia feliz, única, eterna.

E ela repetia para si em silêncio "Encontrei-o... Oh, Deus, permita que sim". E ele a lia em seus gestos exatamente como tantas vezes ela pediu que alguém o fizesse. E ele a lia em seu olhar com a certeza de quem vivera nele desde o sempre. Era um conhecedor da alma dela, um perito naquela mulher que tantas vezes achou que não se enquadrava no mundo. "Estou sonhando... Oh, Deus, permita que eu não acorde, então. Deixe-me dormir o sono eterno"; ela seguia a pensar. 

Ela não se tinha dado conta de que os pensamentos ruins, tinham morrido sufocados pelos desejos e pensamentos de carinho que ele deu a ela de presente. E ela estava tão suave que já não sentia o peso da noite, das indagações, dos medos... Ele a levara para além de si. O sorriso antes de simpatia ganhara agora a força de um sorriso de quem fora docilmente tocado por um anjo. 

E em voz lusitana vem a declaração em fim:

"Teus olhos risonhos
são mundos, são sonhos,
são a minha cruz,
teus olhos castanhos
de encantos tamanhos
são raios de luz"

Ela suspira. O corpo estremece ao pensamento de que o dia poderia levar seus sonhos como tantas vezes já fizera. Mas ao contrário do que sempre fez, ela enfrentou o medo confessando-o. 

__ Estou com medo de você.
__ Minha idade a assusta?
__ Não. Sua idade é perfeita. Meu medo é apaixonar-me.
__ Quer que não lhe fale mais de meus sentimentos?
__ Não. Quero que me diga se posso.
__ Pode. 

E sem que ele visse, dos tais olhos castanho brotou uma lágrima. Era o medo escorrendo pelo rosto para morrer nas palavras que ela disse, enfim.

__ Então, não vou temer. Vou me entregar. Eu quero e vou me apaixonar por você. 

O que acontecerá com eles, nós nunca saberemos. O dia amanheceu e os levou por aí. Acho que ela viverá um conto de fadas ao som de um fado. Acho que ele remoçará embebido na jovialidade dela. E nós, leitores e expectadores, ficaremos aqui esperançosos de que tudo isso chegue até nós em deliciosas poesias de amor.
(Waleska Zibetti, in "Sob Olhar de Um Lisboeta")