sexta-feira, 23 de maio de 2014

Na Estação...



“__ Meus senhores, morreu Ivan Ilitch!”

(Liev Tostói, in “A Morte de Ivan Ilitch")


E depois do anúncio do óbito, oitenta e cinco páginas de reflexão sobre a maior das certezas nos leva a questionamentos profundos sobre a divina miséria humana.

Ivan Ilitch, irrefutável juiz nos últimos dias de vida analisou-se, questionou-se e deu por si, tarde demais, que sua vida fora um grande teatro de conveniência; uma vida de falsidades adequadas a sua necessidade de prestígios fúteis. Quadro triste, não é?

Conheço centena de Ivans que caminham por aí indiferentes aos reais valores do bem viver, enquanto esnobam seu dinheiro e poder entre os menos favorecidos. Ivans que pagam pelo sorriso, pela mulher, pelo respeito... Quando se fala na morte a grande maioria se acovarda, se encolhe, se benze... Por que será? Que tanto medo causa essa viagem nos tão corajosos Ivans que circulam por aí? Acho que a consciência de um possível julgamento divino incomoda os nossos Ivans do cotidiano. “Será que terei direito ao tal Paraíso?”, intimamente eles se perguntam nas madrugadas onde podem ocultar seus rostos assustados na escuridão.

Ivan Ilitch acamado por uma doença pensou e repensou tudo que preconizou uma vida inteira. De que valeu? Não foi querido entre os amigos e nem entre a família. Sua mulher achava um capricho a sua doença e a filha o chamava de estorvo. E nenhum de seus médicos o enxergaram como homem a ser cuidado, e sim como uma doença a ser extirpada. Então, lembrou-se dele mesmo que nunca viu o homem e seus porquês antes julgar e sim o problema que deveria eliminar. “Se eu pudesse voltar no tempo...”, algo me diz que foi isso que ele pensou. Você não pensaria assim? Não pensa assim?

A morte é o momento mais justo na linha da vida. O momento em que todos, Ivan ou não, embarcamos em um trem rumo ao desconhecido, a um possível julgamento divino, a imaginário conforto de um paraíso ou a condenação de um inferno. E o que fazer? Outra prece? Ave Maria? Ah, se tivesse como mudar o passado, não é? Ou adiar o futuro? Já desejou a imortalidade vampiresca? Dizem que é uma maldição ser imortal.

Estamos começando essa leitura. Estamos na estação a minutos do embarque. Ainda haverá mais questionamentos por certo. E será que chegaremos a alguma resposta? Bom, o que posso fazer, é convidá-lo a ler, a acompanhar o cortejo de Ivan Ilitch e a pensar sobre tudo isso conosco.


Até a próxima!