sábado, 11 de outubro de 2014

Pequena Sempre. Princesa às vezes.



“Quando o mistério
é impressionante demais
a gente não ouça desobedecer”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)

Quando vi “O Pequeno Príncipe” pela primeira vez, eu era ainda muito pequena para entender o gigantismo daquela obra. Contudo, lembro-me que sentada no colo de meu pai, chorei inconformada porque o piloto fora descuidado permitindo assim que o principezinho fosse se encontrar com a serpente. E o meu pai dizia “Um dia você irá entender”.

Ao longo de minha vida, li centenas de vezes esse livro. E a cada vez que relia, entrava em um dos personagens. Todas as vezes que leio, é como livro novo. Um novo ponto me chama atenção. Um novo personagem sou eu. Como se o livro se reescrevesse toda vez que o fecho.

“Quando a gente anda sempre para a frente,
não se pode mesmo ir longe...”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)


O principezinho me ensinou que na vida é preciso desviar o caminho, perder-se por aí no inimaginável para se testar, se explorar. Quando não estamos no caminho que esperam de nós, damo-nos a chance de ficar só, de repensarmo-nos e reinventarmo-nos. Estar só por caminhos inesperados, é a chance para o autoconhecimento. E posso, afirmar-lhes queridos, nada é mais incrível que poder se conhecer profundamente. Conhecer-se é respeitar-se!  E quando nos respeitamos, entendemos a grandeza que há no respeito pelo outro. Porque passamos a nos ver como um universo de sentimentos e emoções vivas; e se assim somos, o outro também será. Somos nesse mundo uma imensidão de universos que se unem, se chocam, se expelem... Dentro da proteção de um universo maior que nos aproxima e iguala em importância. Complexo? Sim! Mas não inadmissível.

“É triste esquecer um amigo”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)

Nesses meus momentos comigo, penso muito em quantos me perderam e que perdi. Algumas pessoas, eu realmente gostaria de reencontrar. Fico pensando se essa pessoa pensa o mesmo sobre mim. Deve ser bom quando menos se espera abrir a caixa do correio e encontrar um cartão dizendo “Lembrei de você!” depois de longos anos de silêncio. Mas eu já mudei tanto de endereço que sei que esse cartão nunca chegará. E isso me lembra que o tempo passa e que mudamos. É preciso aprender a não perder pessoas por aí!

Já reparou que a velhice é solitária? Mesmo para os que são avós de dezenas de neto, há um não sei que de saudade em seus olhos. E em algum momento eles se sentam olhando para além de si e provavelmente procuram pessoas dentro deles, rostos e histórias que se perderam deles. É, por isso, que precisamos ser pacientes com os velhos. Quanto mais velho mais foram esquecidos e mais esqueceram.  E quanto não deve ter de saudade neles. Saudades de setenta, oitenta anos doendo em seus peitos. Pense nas suas saudades e multiplique pelos anos seus pais e avós. Consegue sentir a carência deles agora?

“Há milhões e milhões de anos que as flores produzem espinhos.
Há milhões e milhões de anos que, apesar disso, os carneiros as comem.
E não será importante procurar saber por que elas perdem tanto tempo
produzindo espinhos inúteis? Não terá importância
a guerra dos carneiros e das flores?”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)

Por que persistimos em velhos erros? Por que insistimos em reabrir feridas? Já pensou nisso? “Nunca mais caio nessa!”, repetimos para pouco tempo depois sermos levados aos mesmos erros como se um vício nos tomasse e nos arrastasse por ele. Cansei de esmurrar as paredes, sabe? Hoje vejo que é preciso errar para evoluir. E que a tentativa em velhas causas é a crença de que um dia tudo muda. E essa crença é fundamental para que não desistamos de nós, do outro, da vida, da fé, do amor... Errar é a certeza de que não ficamos indiferentes as nossas necessidades; a certeza de que tentamos, de que nos superamos... Errar é evoluir. Evoluir é ampliar-se tirando os olhos de si para ganhar o mundo. Estamos de passagem aqui rumo a um lugar maior para onde só irão os que entenderem esse processo evolutivo doloroso, às vezes, mas necessário.

“Não soube compreender coisa alguma!
Deveria tê-la julgado por seus atos, não pelas palavras.
Ela exalava perfume e me alegrava...
Não podia jamais tê-la abandonado.
Deveria ter percebido sua ternura
por trás daquelas tolas mentiras.
As flores são tão contraditórias!
Mas eu era jovem demais para amá-la.”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)

Essa é uma das partes que mais releio no livro. Onde mais choro. Sou dessas pessoas que a maioria não entende e que por não entender rotula ou abandona. Tenho em meu coração sentimentos inexplorados e sufocados. De todos eles, o que mais lateja é o amor. Queria muito ser amada! Mas sou a rosa que o príncipe não viu até ser tarde demais. Sou a rosa que vaidosa esconde a carência de amor. A rosa que orgulhosa não diz “Fica!” preferindo sustentar o olhar e a voz forte no “Adeus!”.

Quantas vezes o orgulho matou você? Quantas vezes a vaidade sabotou sua felicidade? Despercebidos, deixamos sentimentos tão mesquinhos detonarem com jardins de sentimentos lindos que levamos anos para cultivar. Ah, como somos ignorantes em relação ao amor! Ainda estamos nas cavernas escuras no que diz respeito a doar. Somos sempre rosas abandonadas ou príncipes abandonadores. Procurando além o que na maior parte das vezes está tão ao alcance de nossas mãos. Por quê? Você sabe o porquê disso? Sabe por que nos esquecemos de dizer “eu te amo” ao longo dos anos ou porque nos esquecemos de dizer “você é especial” para alguém que admiramos? Pois é! A maioria de nós é eternamente jovem demais para amar.

As pessoas grandes
são muito esquisitas”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)


Quando eu tinha dez queria ter quinze. Quando fiz quinze queria ter dezoito. E quando fiz dezoito desejei nunca envelhecer. E não envelheci!

Meu invólucro está velho, já até meio cansado, mas minha alma permanece intacta com dezoito anos. Sonhadora, libertária, esperançosa, imaginativa... Todos os dias acordo e olho o mundo com olhos de explorador. Há dias que vou aos castelos resgatar pessoas de masmorras, em outros caço dragões, há dias de romances em mundo desconhecidos e dias espartanos. Choro e sofro como qualquer um. Todavia, a vida é inexplicavelmente mágica a meu ver hoje. E assim, sou inexplicavelmente feliz.


“Os vaidosos só ouvem os elogios”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)

A passagem do príncipe pelo planeta do vaidoso, do bêbado, do empresário, do acendedor e o geógrafo; pode parecer tola, mas são alfinetadas nos adultos. Tão afiadas alfinetadas que, geralmente, os adultos não as citam em seus trechinhos. E tem muitas coisas bacanas por lá, tais como:

“__ Mas só tu moras no teu planeta!
__ Dá-me esse prazer. Admira-me assim mesmo!
__ Eu te admiro – disse o principezinho, dando de ombros. – Mas de que serve isso?”


“__ Por que bebes? – perguntou-lhe o pequeno príncipe.
__ Para esquecer – respondeu o beberrão.
__ Esquecer o que? – indagou o principezinho, que já começava a sentir pena dele.
__ Esquecer que eu tenho vergonha. – confessou o bêbado baixando a cabeça.
__ Vergonha de que? – perguntou o príncipe, que deseja socorrê-lo.
__ Vergonha de beber! – concluiu o beberrão, encerrando-se definitivamente no seu silêncio.”

“__ Como pode a gente possuir estrelas?
__ De quem são elas? – respondeu, exaltado, o empresário.
__ Eu não sei. De ninguém.
__ Logo, são minhas, porque pensei nisso primeiro.”

“__ Bom dia. Por que acabas de apagar teu lampião?
__ É o regulamento – respondeu o acendedor. – Bom dia.
__ Qual é o regulamento?
__ É apagar o meu lampião. Boa noite.
E tornou a acender.
__ Mas acabas de acendê-lo de novo?
__ É o regulamento – respondeu o acendedor.
__ Eu não compreendo – disse o príncipe.
__ Não é para compreender – disse o acendedor. – Regulamento é regulamento. Bom dia.”


“__ O seu planeta é bonito. Há oceanos nele?
__ Não sei te dizer – disse o geógrafo.
__ Ah! (O principezinho estava decepcionado.)E montanhas?
__ Não sei te dizer – disse o geógrafo pela terceira vez.
__ Mas o senhor é geógrafo.
__ É verdade – disse o geógrafo – Mas não sou explorador. Faltam-me exploradores!”

Esses encontros são partes onde o autor mais espeta os defeitos típicos dos adultos: o “eu me amo”, os “fins justificam os meios”; o “eu tenho dinheiro, logo posso tudo”, o “siga as regras sem questionar” e o “cada macaco no seu galho”. Eu particularmente acho incrível. Natural já que não sou adulta! Lembra-se? Ainda tenho dezoito. E ainda me pego a pensar, como o principezinho, que “as pessoas grandes são mesmo extraordinárias”.

“__ Onde estão os homens? - tornou a perguntar o principezinho.
__ A gente se sente um pouco sozinho no deserto?
__Entre os homens a gente também se sente só
- disse a serpente. ”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)


A solidão é o mal do mundo moderno. Conheço Paris, mas não conheço meu vizinho. Leio “The New York Times”, mas não sei o que se passa no meu bairro. O mundo ampliou-se, mas estreitou as nossas relações com ele. Temos meios de comunicação que nos aproximam do mundo todo, mas não nos falamos mais à mesa de jantar. Isso é esquisito, não é? Eu não sei nada de você que, através dessa leitura, me conhece um pouco. E você está lendo isso porque esse blog me conecta com você que não sei quem é e que está não sei onde, mas que de algum modo agora estamos juntos. E você me dirá que livros fazem isso e são seculares. Sim! Mas eu nunca escrevi um livro. Logo, poderia ser só um rascunho qualquer num fundo de gaveta. Você nunca me conheceria, entende? Nunca leria meu pensamento. Veja que louco! Estamos nos falando, mas eu não estou aí e você não está aqui. Só que eu já pressinto você e você já sente a mim. A-rá! Somos dois loucos!!!

“__ Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde,
Desde às três eu começarei a ser feliz.”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)

A parte da raposa é a parte mais lírica de todo o livro, em minha opinião. Por volta dos trinta, penso que todos somos raposas no trigal. Mesmo que estejamos no melhor dos relacionamentos, na casa dos trinta uma lacuna se abre em nós e um abismo a nos observar encantador e enigmático. Esse abismo nos convida para um mergulho as cegas para dentro dele. Começamos a questionar tudo: amigos, parentes, posturas, escolhas, amores... Tudo precisa ser revisto. E então, nos sentamos no trigal com olhos esperançosos a espera de alguém que deverá chegar e nos alegrar. O que demoramos  a descobrir - e alguns nunca descobrem – é que esse ser tão esperado somos nós mesmos.

Passamos a vida toda encontrando pessoas todos os dias. Pessoas passam por nós como se nossas vidas fossem passarelas. Mas raramente temos tempo para nós. E vamos tornando tão carentes que um dia essa carência vira abismo e nos deparamos com uma realidade onde tanto temos e tudo nos falta. Partimos, as vezes, para vícios ainda piores: traição, auto-destruição, vícios químicos... Quando toda a cura para a lacuna aberta está no simples fechar de olhos e mergulho em si.

Somos como os oceanos. Já reparou? Conhecemos da lua, os astros, história de bilhões de anos atrás, e inúmeros textos literários e seus autores, mas não nos conhecemos. Ainda não podemos definir ao certo quais monstros se escondem dentro de nós. E a pergunta “Quem é você?” é respondida de maneira socialmente agradável, mas nem um pouco verossímil.

“As estrelas são belas
por causa de uma flor
que não se pode ver...”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)

Qual a sua razão de sorrir? Qual a sua razão para continuar? O príncipe tinha a rosa. Eu tenho a poesia. O que você tem?

Tudo que nos motiva é intrínseco, pessoal e particular. Há em todos nós buscas que ninguém entende. E sabe o que penso? De alguma maneira as minhas buscas serão importantes para você. E as suas serão para mim. Você não me conhece, mas está aqui a um longo tempo me lendo, se envolvendo em meus sentimentos e impressões. Quantas vezes você já me contestou e quantas vezes você concordou comigo? Se meus pensamentos não trouxessem nada para você, você já teria partido. Então, meu dom de escrever, de me expressar por palavras é importante para você que talvez não tivesse parado para pensar no que leu aqui ou simplesmente, não teria conseguido dizer com palavras embora os sentimentos se equiparem.

As estrelas são bonitas para mim, não por uma rosa que não vejo, mas porque elas me dão a esperança de que há em algum lugar alguém olhando para elas e pensando em mim também. Alguém que não posso mais ver, mas sei que me espera. Então, por que as estrelas são bonitas para você? Talvez essa noite você as olhe e pense: são bonitas porque a li.

“__As pessoas veem estrelas de maneiras diferentes.
[...] Tu, porém, terás estrelas como ninguém nunca as teve...
__ Que queres dizer?
__Quando olhares o céu a noite, eu estarei habitando uma delas,
E de lá estarei rindo; então será, para ti, como se toras as estrelas rissem!
De forma, tu, e somente tu, terás estrelas que sabem rir!”
(Antoine de Saint-Exupéry, in “O Pequeno Príncipe”)

Desde a primeira vez que vi “O Pequeno Príncipe” e chorei no colo do meu pai, muitas coisas aconteceram. Eu cresci, mudei, sofri, venci, perdi, vibrei... Li e reli essa história tantas vezes que quase sei de cór. E quando chego ao final ainda choro, mesmo que hoje não tenho mais um colo para amparar minha indignação. Mas a frase de meu pai “Um dia você irá entender”, tem todo sentido do mundo. As vezes, para sobreviver nessa vida tão exaustiva e exigente é preciso ter coragem de morrer.  Então, quando eu atinjo o ponto mais extremo de mim, pego coragem e me atiro no abismo. Mergulho para a morte daquela fase e ressurjo em algum outro lugar renovada. Então, fico em paz nas minhas noites deitada ouvindo no ar som bom da risada de meu pai sorrindo para mim das estrelas lá no céu.


Até o próximo livro!