sexta-feira, 24 de julho de 2015

O Estrangeiro que há em todos nós

A minha dica de leitura do dia vem de um presente que ganhei no meu último aniversário do amigo Filipe Gama (Fox) que conhecia pouco mas, foi um dos livros interessantes que li nos últimos anos.
Investigando vida e obras esse é certamente uma das obras mais emblemáticas do Albert Camus.
"O Estrangeiro (L´etranger)"
E apesar de todas as obras importantes publicadas (A peste, A queda, o póstumo O primeiro homem), a história de um homem que comete um assassinato “por causa do sol” e é condenado à guilhotina “por não ter chorado no enterro da mãe”, permanece não só a referência imediata do universo camusiano, como também a entrada perfeita para comentar o extraordinário autor argelino.
Quando O Estrangeiro foi publicado (em junho de 1942) na França, ele ainda tinha 28 anos.
O Estrangeiro é uma fábula que prepara a condenação à morte de seu protagonista. O livro narra com incrível capacidade o que de mais trágico existe na condição humana: o absurdo, o limite entre aspirações e realidade. Meursault, mesmo esperando a execução em sua cela, nos dirá (sim, pois Camus ousou fazê-lo narrar a própria história, num dos exercícios de estilo mais admiráveis da literatura).
A história se inicia com Mersault indo ao enterro de sua mãe. Um dia depois inicia um caso amoroso com Marie e se distrai alegremente no cinema com um filme de Fernandel.
O protagonista da obra vive em permanente indiferença a todos os valores morais. É o homem que não aceita as regras do jogo. Mas também está disposto a ir até o fim defendendo a única verdade na qual acredita. Mersault nasceu para desmascarar o cinismo e o vazio por trás da sociedade como um todo e do indivíduo como elemento principal. O homem é um nada, abandona aqueles que ama e também é abandonado. O homem é impotente perante as desgraças que presencia, e por isso mesmo finge não as ver. O Estrangeiro está ali justamente para dissecar aquilo que está errado e nos abrir os olhos para a estupidez de nossa falsas regras morais.

Se formos trazer para o nosso dia a dia, que Valores representam um dos fundamentos de nossa vida interior, nosso comportamento, nossas ações? Mas quais são os valores?
Os Valores podem ser considerados como nossas CRENÇAS, representa tudo o que é importante para nós. Eles representam o que é bom para nós, o que é certo, o que é sensato fazer, dizer, pensar para nós mesmos e para os outros. Ao contrário, o que se desvia dos valores, seu oposto polar, é o que é ruim, o que é errado, o que é o mais baixo fazer, dizer ou pensar.
A nossa sociedade hoje é marcada por atitudes insensatas das pessoas, comportamentos como conflitos sociais, violência, aborto, a influenciadas drogas, exclusão social, falta de educação e respeito com as pessoas, fazem parte do nosso dia a dia como se fossem atitudes normais do ser humano. Pessoas e mais pessoas estão entrando em uma difícil fase de desvalorização da ética e também da moral, valores que nos dias de hoje são muito importantes para nossa convivência.
Quanto mais o conhecemos menos temos certeza se Mersault é o herói ou anti-heroi dessa história, cujo desenrolar nos joga de um lado para o outro, tal como ventríloquos de Camus, sem saber direito mais o que é certo e o que não é. Pois nossas crenças mais sagradas serão de repente questionadas, à medida que avançamos sobre o psicológico de Mersault. Não estaremos prontos para isso. Cada frase dele nos soará como absurda, desprovida de qualquer contato com a razão ou com o sentimento. Porém, quanto mais se indaga sobre sua sanidade, mais se fascina com a idéia por ele pregada. Tudo é permitido, pois todos nós morreremos e os valores todos se desmoronarão.
Einstein em um de seus textos (Como Vejo o Mundo) já dizia que "Se pensarmos na nossa vida e na nossa atuação, em breve notaremos que quase todas as nossas aspirações e ações estão ligadas à existência de outros homens. Reparamos que, em toda a nossa maneira de ser, somos semelhantes aos animais que vivem em comum."
Não há definitivamente como escapar da sedução desse estrangeiro, a quem, ao final de páginas e páginas, ainda não temos a plena certeza de compreender. Mas a graça reside aí. Justamente porque não conseguimos decifrá-lo é porque nunca mais poderemos esquecê-lo.
A opinião sobre o autor através dessa carta escrita no prefácio à edição americana do romance, dada a público em 1955:
Há muito tempo atrás, eu defini “O Estrangeiro” numa frase que percebo extremamente paradoxal: “Em nossa sociedade qualquer homem que não chore no enterro de sua mãe é passível de ser condenado a morte”. Eu apenas queria dizer que o ‘herói’ do livro é sentenciado porque ele não jogou o jogo. Nesse sentido, ele é um ”marginal” (outsider) para a sociedade em que ele vive, vagando nos subúrbios da vida, solitário e sensual. 
Por esta razão, alguns leitores têm o considerado como um ”excluído”. Mas para alcançar uma descrição mais acurada de seu caráter, ou melhor, uma descrição mais próxima das intenções de seu autor, é preciso se perguntar de que maneira Mersualt não joga o jogo. A resposta é simples: ele se recusa a mentir. 
Mentir não é apenas dizer o que não é verdade. É também e, especialmente, dizer mais do que é verdade e, no caso dos sentimentos humanos, dizer mais do que se sente. Todos fazemos isso, todos os dias, para tornar a vida simples. Mas contrário às aparências, Meursault não quer fazer a vida simples.
Ele diz o que ele é, recusa-se a esconder seus sentimentos e a sociedade sente-se ameaçada. Por exemplo, espera-se que ele se manifeste arrependido por seu crime, como é de costume. Ele responde que se sente mais incomodado com os distúrbios do fato do que verdadeiro arrependimento. É essa nuance que o condena.
Desta maneira para mim que Meursault não é um ‘excluído’, mas um carente e sincero homem, amando um sol que não deixa sombras. Longe de ser insensível, ele é dirigido por uma tenaz, e por essa razão, profunda paixão; a paixão pelo absoluto e pela verdade. Esta verdade é até aqui, e ainda, vista como negativa; uma verdade que nasce de viver e sentir e sem a qual nenhum triunfo de natureza interior ou do mundo será possível.
Assim não seria um equívoco entender “O Estrangeiro” como a estória de um homem que sem nenhuma pretensão concorda em morrer pela verdade. Eu disse uma vez, e também paradoxalmente, que tentei fazer meu personagem representar o único Cristo que merecemos. Será entendido, após estas explicações, que disse isso sem nenhuma intenção de blasfemar, mas simplesmente com um pouco de afeição irônica que um artista tem o direito de sentir em relação aos personagens que ele tenha criado." 
Desejo um bom encontro para nós e uma boa leitura àqueles que ainda não se aventuraram a ler esta obra e que eventualmente se sintam tentados a isso.

Até o próximo texto
Au Revoir