sábado, 31 de janeiro de 2015

Fanatismo


Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."

Espanca, Florbela. Soror de Saudade. Tipografia A Americana. Lisboa, 1923. 

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Entre a Razão e a Emoção



Exatamente 01:16 da manhã. Estou na sala com as luzes apagadas e uma taça de vinho. Ouço Loreena McKennitt cantando "Never-Ending road". E você sentado é um espectro no canto iluminado pela luz da rua.  Menino tímido me sorrindo de canto. Usa azul. Foi impossível não sorrir também. E você balança a cabeça escondendo o rosto no mão como que negando algo. Então, desvio os olhos e penso em algo para dizer. Antes que eu pudesse dizer, a razão grita:

__ Sabe que não é ele, não é? Você está buscando isso tudo para se sentir menos vazia. Acorda, mulher! As coisas são como são e você não tem ninguém. Encare os fatos tudo é sonho e sonhos não têm obrigação de ser real.

Um gole enorme do vinho faz a razão descer garganta a dentro. E você me ergue a mão. 


Estamos dançando ao som da voz doce de Mckennitt. Rodopiando centímetros acima do chão de mármore do salão principal. Você em seu traje azul e rabo de cavalo e eu em um vestido branco.

__ Conduza-me, amor, porque eu não sei dançar. Me leve! Me leve! Eu te dei meu coração...

Aperta-me enfim em seu peito e minha cabeça se encosta em seu ombro. Seu coração bate ao compasso da mesma canção e sua mão dulcíssima toca meus cabelos aconchegando-me melhor em seu peito. Não há mais nada no salão e nem ninguém além de você, Loreena e eu. E então, você me olha ternamente e diz:

__ Será que um dia você cresce, menininha?

Faço uma cara bem arteira e enquanto escondo o rosto na lapela de sua casaca azul, balanço a cabeça negativamente. Você solta uma gargalhada boa.

__ Ainda bem, anjo!

Beija-me a testa, ata sua mão a minha e atravessa o salão rumo aos portões ao som de Loreena que diz...

"Here is my heart and I give it to you
Take me with you across this land
These are my dreams, so simple and few
Dreams we hold in the palm of our hands"

As portas se fecham, o salão se apaga e a lua sorri; enquanto nós dois adormecemos na grama do jardim.
(Waleska Zibetti)

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Definitivo

Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável. O sofrimento é opcional... 


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

ORAÇÃO E FÉ



Por Gabriella Gilmore

Quando bem criança, eu costumava passar os finais de semana na casa da minha tia Miloca. Eu sempre dormia lá de sábado para domingo. Era o sono mais tranquilo que eu costumava a ter. Lembro que ela ajeitava o colchão fofo da cama do quarto de visitas, ligava o abajur de golfinhos que iluminava as paredes, e por último, o mata mosquito em espiral. Se eu fechar os olhos bem forte eu consigo sentir o cheiro dele. Quando já estava coberta na cama, minha tinha vinha para fazer uma oração. Não eram orações dessas decoradas não. Eram espontâneas, sinceras e únicas. Ali eu dormia me sentindo a pessoa mais segura do mundo. Não tinha pesadelos. Se eu sonhasse, era algo bom.
No domingo cedinho ela me levantava para ir à sua igreja. Por alguma razão eu gostava de acompanhar a rotina do casal, que na garupa da bicicleta, me levavam para a escola dominical. Lembro até hoje dos meus vestidinhos, sapatinho preto envernizado e laços no cabelo. 
A primeira lembrança que tenho de igreja e coisas relacionadas a Jesus Cristo, foi com essa irmã da minha mãe. Até então eu era pagã. Sempre associei Jesus a algo bom, não porque me diziam isso, mas pelo fato de sentir a tal paz. Como o exemplo que dei acima, da oração antes de dormir. Minha fé começou a se desenvolver ai, sem eu mesma saber o que era isso e seu significado.
Estava lendo mais um trecho do livro Meditação da mulher, e teve uma experiência de uma senhora que estava conversando com Deus dentro do metrô, morrendo de sede, e ela sabia que iria demorar a chegar a sua casa. Ela imaginava o quão bom seria se ela tivesse um copo de água ali, naquela hora, e ao olhar perto da sua bolsa de compras que estava encostada no chão, ela viu uma garrafinha de água mineral ainda lacrada. Logo ela agradeceu a Deus e notou um detalhe: aquele vagão não era o que ela costumava pegar, porque ficava bem longe do portão da saída.
Isso me fez lembrar de um fato que me ocorreu esses dias. Eu ando de bicicleta aqui no bairro e estamos no mês das chuvas. Clima muito instável. Faltavam algumas horas para eu ir ao culto, e desabou um toró. Eu olhei para o céu e disse: Senhor, você tem até às 19h30min para deixar chover, depois pare porque não posso chegar molhada na igreja.
Acredita que parou de chover? E calma ai que tem mais. Na hora do culto, desabou outro pé d’agua, e eu olhei no relógio e só faltavam 10 minutos para acabar a palavra, e novamente falei: Agora o Senhor só tem 10 minutos. (Eu sou atrevida assim mesmo).
Na saída, uma das irmãs virou pra mim e disse: que bom que parou de chover, né? E eu respondi: Foi à oração!
Jesus cuida da gente até nos pequenos detalhes. Muita gente chamaria isso de sorte ou coincidência, porém eu chamo de oração e fé. 

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Diálogos 5: Sobre Gostos




__ Você gosta de morar aqui?

__ Gosto! Nossa cidade é bonita com povo simples. Mas é pequena e sem grandes possibilidades. A vida aqui não é fácil. Porém o mar compensa e recolhe os sonhos que seus admiradores depositam nele a caminho do trabalho de manhã ou na caminhada para a boa forma. 


__ Você gosta muito do mar, né?


__ Eu amo o mar. E costumo sentar-me na praia sozinha e silenciosa a fim de ouvir os cantos das Ondinas quando estou muita agitada. Elas sempre me acalmam. Você gosta de mar?


__ Gosto sim. Mas não dessa maneira tão poética.


__ Você deve gostar de números, não é? Quem gosta de números, não entende as letras. 


__ Meus pais diziam que poesia é coisa de frutinha. E eu sempre as evitei. 


__ Não culpe seus pais por isso! Minha mãe, como boa canhota, também é dos números e diz que minhas poesias é coisa de gente aluada. Então, eu rio e convido ela para ir até a lua comigo montada em um dragão azul. Ela diz logo com cara de reprovação: “desconjuro!”. E eu caio na gargalhada.


__ Eu gosto de música...


__ A música é uma poesia cantada. Só que cantar é mais comum. Repare só...


Levanto-me, pigarreio, imponho a voz em tom solene.



__ “Vorrei donare il tuo sorriso alla luna perché 

di notte chi la
guarda possa pensare a te
per ricordarti che
il mio amore è importante
che non importa ciò
che dice la gente e poi
amore dato, amore preso,
amore mai reso
amore grande come il
tempo che non si è arreso
amore che mi parla
coi tuoi occhi qui di fronte
e sei tu....

...il regalo mio più

grande”

Ele aplaude e eu me curvo em agradecimento. Rimos.


__ É uma canção. A canção que lhe dedico hoje. Mas se recitada, vira um lindo poema de amor.


__ Lindo é você recitando. Gosta de esportes?


__ Eu não. Embora sei que devesse pois sou gordinha.- Abaixo a cabeça envergonhada. Ele ri.


__ Eu penso demais, sabia? Queria mudar esse meu jeito.


__ Então, você pensa muito? Hum... Terei que providenciar com o Chapeleiro Louco - aquele do País das Maravilhas - uma receita de “Bolo de Insensatez” e te servir no próximo lanche da tarde. Vamos devorar a sua mania de pensar. É bom não pensar, as vezes. É bom perder-se em reinos mágicos, correr o risco de parecermos ridículos só para entrar em contato com o nosso lado criança. Ser criança nos deixa mais leve. 


__ Vou ser ator de cinema!


__ Cinema... Que tipo de filme gosta? Qual o título que traduziria você hoje? Me conta, anjo meu? 


__ Sei lá! Acho que algum de Woody Allen. 


__ Nunca entendi Woody Allen. Mas entendo você. Sabe o que precisa? 


__ Não!


__ Dançar! Vem!Vamos dançar!Eu não sei dançar então,não fica bravo se eu pisar no seu pé, tá? Mas venha comigo! Deixe seus pensamentos ali no banco para pegar depois. E vamos deixar que os próximos minutos sejam nossos, sem ninguém no mundo. A não ser a dona Vontade e a Felicidade, que vestidas de azul-mar, nos observam em cumplicidade. Vamos deixar que essa tua canção nos leve e quando não estivermos mais por aqui dançando, estaremos em nossos pensamentos e no sorriso  como esse que você deu agora.


__ Você não existe!


__ Vem e me dá um beijo com gostinho de mar. 

(Waleska Zibetti)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Sonetos, William Shakespeare

Quando penso em você me sinto flutuar,
me sinto alcançar as nuvens,
tocar as estrelas, morar no céu...

Tento apenas superar
a imensa saudade que me arrasa o coração,
mas, que vem junto com as doces lembranças do teu ser.

Lembrando dos momentos
em que juntos nosso amor se conjugava
em uma só pessoa, nós ...

É através desse tal sentimento, a saudade,
que sobrevivo quando estou longe de você.
Ela é o alimento do amor que encontra-se distante...

A delicadeza de tuas palavras
contrasta com a imensidão do teu sentimento.
Meu ciúme se abranda com tuas juras
e promessas de amor eterno.

A longa distância apenas serve para unir o nosso amor.
A saudade serve para me dar
a absoluta certeza de que ficaremos para sempre unidos...

E nesse momento de saudade,
quando penso em você,
quando tudo está machucando o meu coração
e acho que não tenho mais forças para continuar;
eis que surge tua doce presença,
com o esplendor de um anjo;
e me envolvendo como uma suave brisa aconchegante...


Tudo isso acontece porque amo e penso em você...

domingo, 25 de janeiro de 2015

Alice no pais das maravilhas - Análise



ANALISANDO ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS
Por Gabriella Gilmore 

Olá leitor! Tudo bom?
Hoje eu quero trocar uma idéia com vocês sobre a mensagem do filme “Alice no pais das maravilhas”.
Depois que minha irmã assistiu ao filme e disse não ter entendido nada, mas que achou bonitinho e viajado, eu acabei locando o filme para ver com mais calma.
Realmente o filme exige um olhar filosófico para extrair a mensagem.
É um filme infantil para adultos.
Se você assiste apenas pela ficção, você acaba não extraindo muita coisa dele, a não ser que você se amarre em efeitos especiais em fundo verde, porque convenhamos, o filme arrasou. Ele é praticamente todo gravado em estúdio com paredes, mobílias e roupas verdes.
Estarei escrevendo uma análise da história de Lewis Carroll sobre meu ponto de vista. Não busquei nenhuma informação adicional ou comentários para não ser influenciada. Estou aqui debaixo do edredom curtindo um raro friozinho que essa cidade oferece.
Ok. Sem churumelas, vamos lá!
P.S – Volto a lembrar que adoraria trocar figurinhas com os leitores que tiverem outros pontos de vistas.
A casa é nossa!

Na infância, Alice tinha uma mente muito criativa, e quando ela sonhava com coisas estranhas, comparadas com que ela vivenciava, ela pensava que eram pesadelos. Sempre amparada pelo pai, ele dizia que ela não estava maluca e que os “melhores eram loucos”.
Sufocada pela repressão da sociedade, Alice cresceu deixando de lado sua amiga imaginação. Já ouviu dizer aquela frase de que “Os adultos matam aos poucos o filósofo que existe em cada criança?” Os adultos nunca estão totalmente preparados para os eternos porquês das crianças.
Quando jovem, foi predestinada a um casamento contra sua vontade, e na hora do pedido de casamento, Alice se ausenta por um momento e foge atrás de um antigo amigo coelho de seus sonhos. Ao ver uma toca em que ele entrou, curiosa, ela chega perto para ver quando... cai.
Nisso ela entra nesse “mundo de fantasia”.
Analisando, Alice apenas desmaiou, e neste sonho (ou desmaio) no qual ela reencontra amigos do passado, Alice consegue buscar as respostas que ela tanto procurava desde criança.
Ainda dentro do sonho, é confundida com a “Alice verdadeira”, que na verdade era ela mesma quando criança e não temia a imaginação. Quando ela é levada ao oráculo Lagarta azul, os amiguinhos perguntam a ele se ela é realmente a Alice, ele responde dizendo que ela não é ainda“totalmente” a Alice. No decorrer do sonho, Alice vai deparando com coisas que ela já havia sonhado antes, ou seja, as lembranças de seus sonhos passados vêm à tona.
Quando ela começa a entrar naquela coisa de “sonho”, Alice é dita lutar contra um monstro para salvar aquele lugar, porém, a própria rejeita a idéia dizendo ser a Alice errada e que ela não mataria ninguém. Aos poucos ela vai se afeiçoando as pessoas quando resolve aceitar o “destino”.
 Quando ela decide a lutar contra o monstro Jaguadarte, ainda temerosa, ela acreditava não conseguir derrotar a fera. Contudo, somente Alice poderia afrontar ele, ou seja, apenas Alice poderia enfrentar seus próprios anseios.
Decidida a vencer a luta, e ela vence mesmo, Alice desperta do sonho e volta a sua realidade, no qual ela diz com firmeza que não aceitaria o pedido do Lorde em casamento, pois aquilo não era o que ela queria para si.
O filme fala o tempo todo sobre busca da própria identidade que a sociedade sutilmente vem matando dentro de nós.
E se me permitem uma viagem pessoal... Ainda acho que Alice é o próprio autor Lewis.
Ele só não escreveu o personagem em um menino para não se “entregar”. A sociedade daquela época, muito machista e preconceituosa, iria crucificá-lo, isso se não o acusassem de afeminado.
Que tipo homem teria uma “viagem” daquelas? Culpa toda do ópio. RS
Se gostou ou odiou, deixe seu rastro. Bêzo.

sábado, 24 de janeiro de 2015

I Will Survive, Priscilla

Ladies and Gentleman, sejam bem vindos a bordo do Priscilla.
Um ônibus que levará as Drags: Anthony (Hugo Weaving) e Adam (Guy Pearce) e a transexual Bernadette (Terence Stamp) a um destino Alice Springs.
Um filme recheado de mensagens atuais e contemporâneas com uma trilha sonora de encher a nossa audição, Priscilla a Rainha do Deserto (The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert) conseguiu encantar públicos a vinte anos e não deixa de ser um filme atemporal, engraçado e bem interessante.
As atuações dos três atores principais do filme surpreenderam o público e a crítica. Terence Stamp, Hugo Weaving e Guy Pearce eram conhecidos, até então, por papeis em obras com temáticas totalmente diferentes. As atuações são de primeira! Foi o primeiro papel em que vi Guy Pearce, e marcou tanto que não consigo ver outro filme com ele sem lembrar desse filme. Hugo Weaving também da um show, é aqui que vemos como o Agente Smith é um bom ator.
Escrito e dirigido por Stephan Elliot, ‘Priscilla’ teve orçamento de apenas três milhões de dólares australianos. Elliot e os produtores concordaram em fazer o filme mesmo ganhando uma quantia relativamente pequena, tendo em vista a dificuldade e o duro trabalho que teriam pela frente. Além de divulgar o cinema australiano e colocar em evidência o tema LGBT, a trama também mostra o medo de uma das três drag queens, que tem um filho de oito anos e não sabe qual vai ser a reação dele ao vê-la no palco.
‘Priscilla, a rainha do deserto’ arrecadou cerca de US$ 30 milhões e chegou a faturar um Oscar de melhor figurino. A trilha sonora é um dos pontos altos do filme. Durante os shows, eles cantam diversas músicas que já eram sucesso na época e adoradas principalmente pelo público LGBT. Na performance final, Mitzi e Felicia colocam todo mundo para dançar e são ovacionados cantando ‘Mamma mia’.

Trailer:

Até o Próximo Texto
Au Revoir

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Diálogos 4: Sobre Visitas




__ Boa tarde!

__ Boa tarde, anjo!

__ Como vai seu coração hoje?

__ Deixemos meu coração de lado. Venha! Sente-se comigo na varanda um pouco. Vamos comer bolinho de chuva e tomar café vendo o sol mergulhar no mar, enquanto ouvimos uma boa música e falamos bobagens.

__ Você curte cinema, teatro, literatura? Eu amo arte! Tudo!

__ Sou apaixonada por poesias. E por autores que escrevem prosa como
quem escreve poemas.

__ Teatro?

__ Também sou apaixonada por teatro, mas pouco vou. A peça que mais amo é “O fantasma da Ópera”. Um dia ainda vou assistir. Já vi o filme e tenho o cd. Mas quero ver a peça! Nem que seja velhinha e de prazer e felicidade, morrer ali na platéia entre um falsete e outro da heroína.

__ As vezes, sinto que vou me apaixonar por você.

__ Sabe, amigo, a paixão é um sentimento urgente. Olha lá ela! Logo ali correndo pelas alamedas do jardim. Ela precisa correr. Uma menina sempre em busca do que nem imagina o que realmente é. E se encontra, acaba sempre se cansando e largando por aí pelos cantos. Fiquemos aqui a observá-la por lá. Deixemos que ela corra. Dê-me sua mão, esperemos que chegue algum outro sentimento menos moleque. Com sorte há de chegar o carinho. Desse gosto muito! Ele quando chega fica por dias e dias e dias e dias... e quanto mais ele fica, menos queremos que ele se vá.

__ Você não percebeu, mas ele já chegou. Está ali, olha! Vestido de dourado sorrindo para nós.

__ Já somos sortudos, então!

Sorri. Deitei minha cabeça em seu ombro. E ficamos em silêncio olhando a noite chegar em vestido negro com detalhes prateados.
(Waleska Zibetti)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

TE QUIERO





Te quero toda hora
Te quero todo dia
Não sabia que querer-te tanto
me causaria tamanha melancolia
(Gabriella Lima)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Diálogos 3: Sobre Isolamento



__ Estive pensando sobre essa sua maneira de não sofrer. Você não acha que você correr o risco de sofrer mais ou então, de se arrepender depois? Acho que esse teu castelo aí pode lhe causar mais sofrimentos que uma casinha de palha. 

__ Eu sei que ao isolar-me corro o risco de morrer pensando no “se”. Corro também o risco de amanhã ser tão “eu” que não suporte mais a responsabilidade do “nós”. Viver com medo não é viver. É preciso arriscar-se. E amar é um risco que vale a pena sempre. Ah, anjo, sei de tudo isso! E sei de todos os riscos que corro vivendo nesse meu mundo secreto e estrategicamente protegido. Mas saiba que num cantinho bem escondido atrás de uma cerca de hibisco lá no jardim do meu castelo-coração, eu plantei um pezinho de esperança. Esperança de que um dia o medo passe, que eu esqueça minhas magoas e receios, que eu acredite novamente que o amor é possível para mim. Não qualquer amor mas o amor do jeitinho que imagino, cheio de fantasias e numa casinha simples branca de janelinhas azuis e varanda. 

__ Olha! Quero visitar essa casinha! Posso ir lá?

__ Venha! Venha devagar, sem pressa. Venha tão lentamente que os espinhos não o
notem chegar. Assim não se machuca. 

__ Eu tenho medo mesmo de me machucar nesses seus espinhos. Também tenho minhas dores... E também tenho meus espinhos. Não quero machucar você com eles. Não quero que você vá embora!

__ Somos humanos, não é? E somos passiveis de erro. Eu sei disso! E também posso errar. Então, se algo ficar estranho em mim para ti, você me diz. Eu faço o mesmo. Combinado? Quando as coisas são ditas claramente tudo fica bem melhor. Não deixemos para amanhã, não esperemos para depois, não durmamos uma noite sequer com mágoa do outro... Até porque o amanhã nem sempre chega. Assim sendo, vamos combinar que o nosso momento é o hoje. E que nossa amizade saiba que o que temos é o "agora" para sermos e dizermos tudo. Podemos?

__ Eu disse que você é uma Estrelinha...

__ Ah, eu sou uma estrelinha!!! Pois então, que eu brilhe sempre em seus pensamentos trazendo coisas boas e paz até eles. 

__ Durma com Deus, anjo! Até amanhã.

__ Você, também.

E assim nos despedimos. E eu fui sonhar ao som de Nat e Natalie Cole.
(Waleska Zibetti)

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Morro dos ventos uivantes - Poesia


Por Gabriella Gilmore

Tenho um amor reprimido por esta história de Emily Bronte.
Em 2009 escrevi esta poesia e gostaria de dividir com vocês.
E fica a dica de leitura para quem ainda não leu "O morro dos ventos uivantes". A história rendeu algumas versões de filme por ser tão singela e tocar em tópicos tão sutis.




À Heathcliff

Guarde dentro de você suspiros meus
Lembranças de tardes na charneca
Enquanto eu deitada em seus braços
Você me chamando de sua boneca

Mas se nos casássemos naquele tempo
Fome e miséria íamos passar
Eu não queria isso para nós
E temia um final degradar

Não sei do que são feitas nossas almas
Mas elas são iguais
Genuína, inquieta e alva

Se tudo ficar e esse amor desaparecer
Eu ficarei no mundo só
Apenas desejando desfalecer

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Sim Senhor!!!

Uma vidinha de mais rotina, sem aventuras ou emoções. Esse é Carl, um homem não feliz! Carl trabalha em um banco e sua vida é frustrante: divorciado, solitário e contrário a qualquer evento social. Após o convite de um amigo, Carl Allen (Jim Carrey) decide ir em um culto de auto-ajuda, que tem por base dizer sim a qualquer coisa que lhe aconteça ou ofereçam. 
Mas até que ponto dizer sempre sim a tudo fará com que as coisas se modifiquem?
No caso do nosso personagem, um mundo de possibilidades se abre a partir do primeiro momento em que ele põe em prática: Sim!
Ele conhece Allison (Zooey Deschanel) por quem se apaixona. Em seguida ele se promove e então um caminho de oportunidades e outras coisas se abrem a partir do momento em que ele se permite mais e com o "sim". 
Mas até que ponto isso pode ser o tempo inteiro bom e sadio?
Após uma sequência de coisas que dão certo, Carl tem vontade de dizer não para apenas um pedido de Allison para viverem juntos. É quando ele precisa contar a verdade para Allison em relação a sua postura de dizer sim para tudo.
Eles terminam e após um convite de sua ex mulher, em seguida Carl acaba dizendo o seu primeiro não em tempos a sua ex quando ela chama ele para fazerem sexo. As coisas começam a dar errado e ele busca o líder de sua “religião” que diz que ele está exagerando e que deve também dizer não a algumas coisas. 
É aí que ele percebe a importância de equilibrar suas decisões e então ele decide reconquistar Allison que aceita sua volta e ambos terminam felizes para sempre.

Opinião:  Apesar de não ser lá uma grande fã do Jim Carrey, o filme conseguiu prender a atenção e apoiar em dois pontos. Primeiramente, o roteiro consegue explorar bem as possibilidades que a idéia original oferece. Das mais simples às mais bizarras propostas feitas a Carl, ele aceita todas e as situações que ele enfrenta garantem boas gargalhadas. O outro fator determinante para que se aproveite o filme é a atuação do próprio Jim Carrey.
Além de ter as cenas hilárias que se espera em uma comédia, Sim Senhor também é um filme com mensagem. Lembrando o recado dado por Antes de Partir, as peripécias de Carl convidam o espectador a viver a vida plenamente e abraçar as possibilidades que muitas vezes passam despercebidas por nós. É claro que a mensagem é passada em cenas mais exageradas e não tão emocionantes quanto na história dos dois pacientes terminais. 


Aqui está o trailer:

Até o próximo texto
Au Revoir

domingo, 18 de janeiro de 2015

Diálogos 2: Sobre Vinhos e Estrelas





Enquanto olhávamos o céu ele disse que eu era uma estrela.

__ Deus me livre ser estrela! Gosto sim de olhar estrelas, ouvir e conversar com elas como Bilac tão sabiamente ensinou-me. 

Então, ele riu e comentou se eu não queria ser como algumas pessoas que conhecemos e que gostam de ser estrelas. 

__ Eu não me ocupo de estrelinhas. Prefiro aquelas que ponteiam meu céu em noite de insônia. Aquelas que escondem histórias de mistérios e que misteriosamente se agrupam em forma de rostos que arrancam suspiros nas madrugadas. Não tenho tempo para estrelas fúteis. Tenho tempo somente para estrelas sonhadoras que lançam-se do céu para me roubar desejos.

__ Mas alguém te quer estrela. Alguém que te acha especial.

__ Você fala com tanta certeza da existência desse alguém. Desculpe minha pouca fé, querido! Mas sabe como são as coisas de amor, de sentimento, de envolvimento, não é? Meu coração anda cansado de querer e amar errado. Então, fiz assim: arrumei meu coração bem arrumadinho. E enfeitei-o todo de rosas selvagens em volta. Convidei meia dúzia para morar dentro, depois, tranquei o portão. E já faz tanto tempo que as rosas cresceram. São lindas, perfumadas e espinhosas. Ninguém chega perto. Mas estou feliz assim! Ou pelo menos, não choro mais.

__ Você é louca!

__ Minha loucura está em continuar a fantasiar quando o mundo prefere a realidade, em falar de poesias quando o mundo pouco tem tempo para a prosa, imaginar borboletas em pétalas soltas, dragões escondidos em nuvens... 

__ Manias...

__ Tenho algumas manias, mas não chego a ser neurótica. 

__ Mas é ciumenta!

__ Ciumenta, sou demais! Tenho ciúmes de tudo, principalmente dos que gosto. Não chego a sufocar ninguém, mas acabo sendo exigente no que diz respeito a atenção. Se der ao outro, há de dar a mim também. Na mesma proporção. É o mínimo que espero de quem gosto.

__ Que pecado!

__ Minha franqueza é meu maior pecado. Minha mãe diz que devemos ao menos disfarçar o que pensamos dos outros, mas quando dou por mim já falei. Já era!

__ Gosta de vinho?

__ Eu gosto muito de vinho. Os suaves. Mas não me desencanto com os rascantes. O vinho para o frio ou para as tais noite que fico a ouvir estrelas.

_ A cada minuto agradeço mais a sua amizade.

__ Essa amizade está me fazendo muito bem. Ah, nem pode imaginar o quanto! Tão difícil poder ser assim tão serena com alguém. Que presente foi você! Melhor, que presente É você!

__ O que ouviremos agora? Escolhe e eu pego o vinho.

__ Vamos fazer um cd de trilha nossa?

Risadas. Ele foi para cozinha enquanto Elton John invadia a sala.
(Waleska Zibetti, in "Diálogos 2: Sobre Vinhos e Estrelas")

sábado, 17 de janeiro de 2015

Conversando com Joana


Porquê desta foto: Sempre vi Joana de Clarice assim, novinha, emburrada, questionadora, inteligentíssima. Não é atoa que minha Rafaela lembra esse perfil da Emily The Strange.


Crônica de Gabriella Gilmore

(Inspirado na história de Clarice Lispector “Perto do Coração selvagem”)

-Não estou aqui para questionar seu furto, mas sim saber o que te impulsionou para fazê-lo e como se sentiu depois do flagrante da sua tia. Questionou o professor.
-Roubar é errado quando você sente medo. (pausa) Eu não senti nada. Retrucou Joana.
-Não sente receio do inferno? A bíblia diz claramente a respeito de roubar.
-Não.
-Não o que? Não sente medo do fogo eterno ou não sabia sobre esse mandamento bíblico?
-Simplesmente, não!
-Assim será difícil te ajudar Joana. Diga-me, o que é certo e o que é errado?
-Não sei...
-Mas isso não é resposta. (pausa) Você deve ter um leve saber sobre isso, sobre a diferença.
-Mas há coisas que são erradas para uns e para outros não, oras! Como poderei saber? O meu limite é a dor. Se não me doeu em nada, significa que não é tão mal assim.
-Se você tivesse outro pai, este estaria se remoendo no túmulo. Mas me diga, por que tantas questões, tanta busca se você insiste em ficar só no “Não sei” “Talvez”?
-Se eu tivesse todas as respostas eu não precisaria mais estar à procura.
-E isso é ruim?
-Não. Mas seria chato.
-Então ter tudo pronto é chato?
-É. Eu me mataria.
-Você peca só em falar.
-Pecado. Pecado. Acho que essa palavra significa limite, não?
-Por quê?
-Porque às vezes você não faz algo porque é “pecado”, então você volta atrás.
-O que você mais gosta?

Ela pensou, pensou, deu um leve sorriso e respondeu:

-Não sei. Não SEI!!!
-Mas você fez uma cara tão contente de que sabia o que ia responder!
-Mas talvez o que eu goste hoje não venha a gostar amanha!
-E se eu mudar a pergunta?
-E se eu não quiser responder? Perguntou ela já enjoada do papo.
-Bem... (pausa)
-Às vezes sinto dor sabe? Disse ela interrompendo o silêncio. Sinto frio na barriga com certas perguntas e até com certas dúvidas.

No fundo ela não sabia aonde o professor queria chegar, já que sobre o furto eles não mais tocaram no assunto.

-Olha Joana, nunca sofra por não ter opiniões em relação a vários assuntos. Nunca sofra por não ser uma coisa ou por sê-la.
-E o que vai acontecer comigo?
-(silêncio) Não sei.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Amar você é coisa de minutos…

(Paulo Leminski)
Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui

Góes Fred (org).“Melhores Poemas de Paulo Leminski”. Editora Global. 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Apologia ao racionamento de água



Uma crônica de Gabriella Gilmore


De frente para seu bar, o dono lavava o chão tranquilamente.

- Me desculpe o comentário, mas eu não vejo ‘vida’ ai. Comenta uma jovem encostada numa árvore enquanto descascava sua maçã.
O senhor sem entender, fez um som com a garganta que pareceu um rosnado e perguntou: Do que está falando minha jovem?
- Dessa água toda que o senhor está desperdiçando. Se fosse um jardim, até te entenderia, mas o chão? Ainda mais com essa ameaça em que estamos vivendo sobre não ter mais água potável no futuro…
- E vou deixar o bar sem limpar? Não dá para receber clientes com o ambiente sujo.
- Eu sei, mas amanhã quando o senhor não tiver mais essa água ai nem para beber, serão dois problemas: a sujeira e a sede. Credo. Realmente não quero estar aqui.
- Olha só, eu acho muito bonito uma moça tão jovem com essa mentalidade filosófica, mas deixe-me trabalhar.
- Ok. Como o senhor quiser.

(…)

- Quer saber? Todo mundo lava a calçada, seus carros e coisas assim, por que EU tenho que economizar?
- Rá!! Sabia que iria questionar isso. Mas pensa bem, se todos continuarem pensando assim, com o umbigo, o amanhã vai chegar mais depressa, e ai? CO-MO-FAZ?
- Você tem razão. Disse ele desligando a torneira e pegando uma vassoura para continuar limpando o lugar. E agora que somos dois com esse seu "racionamento", acredita que teremos força para economizar mais?
- Vou te contar um segredinho. Disse ela se aproximando. Só basta você influenciar mais uma pessoa. A corrente faz o resto.
- De onde veio essa garota? Ele se perguntou.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Diálogos 1: Sobre Beleza




Ele disse que sou bonita. E eu não concordei, claro! Tenho espelho em casa, né? Mas ele não desistiu. Ficou batendo na mesma tecla:

__ É bonita! É bonita, sim!

Muito debochada, respondi:

__ Acha, então, que devo quebrar o meu espelho?
__ Sim! Colocaram na sua cabeça que você é feia. Você está sensível. Fragilizada.
__ É amigo! Acho mesmo que sou muito sensível. E isso não é uma coisa muito boa no mundo pragmático em que vivemos, sabia? Viramos alvo fácil! Estou tentando aprender a arte da camuflagem e me passar de mulher dura e cruel. Pode parecer estranho, mas ainda é a melhor maneira que encontrei para sobreviver.
__ Não vale a pena! Você não é assim. Tem gente que admira você.
__ Vou tentar acreditar.Penso até que me fará bem acreditar em algo assim. A esperança não deve morrer, não é? Dizem que ela é a mola-mestra que nos impulsiona para o dia seguinte.
__ Pára de ser negativa! Pára de se diminuir! Pára com isso de que é feia! - se zangou comigo.
__ Tenho o péssimo hábito de dizer tudo que me vai a cabeça. Digo de súbito, sem pensar. Isso não é bom, eu sei.
__ Você acha que sou bonito? Eu sou velho, gordo, careca...
__ Que seria do amarelo se todos gostassem do azul? Eu gosto de azul, de borboletas azuis. Rs... E também gosto de vinho. E você sabe o que dizem dos vinhos? Contudo, há os que dizem que vinho dá porre. Talvez! Mas só os vinhos baratos e aqueles que não são bebidos adequadamente. Eu sei beber vinho de gole em gole, deixando que ele me leve em todas as suas notas, suaves ou rascantes. Vinhos são para se beber como quem tenta um ponto de encontro com o divino.
__ Então, pronto! Para mim você é bonita e eu sou vinho.
__Vamos ouvir uma música? Eu posso ver minha vida sem muitas coisas, mas nunca sem poesia e música.Obrigada por dividir mais essa tarde comigo.

Fomos ouvir Loreena Mckennitt enquanto esperávamos a noite chegar. 
(Waleska Zibetti, in "Diálogos 1: Sobre Beleza")

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

"AS PESSOAS" - Crônica



AS PESSOAS

Uma crônica de Gabriella Gilmore

5:45 A.M

Ela não sabe ao certo se realmente receberá visita no final daquele domingo.
Catarina abre os olhos e vê que a luz da sua secretária eletrônica estava piscando. Ela tem uma nova mensagem.
Estica a mão direita para alcançar o botão play.
Beep! Você tem uma nova mensagem.
“Bom dia dorminhoca. Se quiser mesmo assistir filme comigo no final da tarde, me fale o melhor horário para eu ir até sua casa.” Beep!
Catarina ficou olhando para o teto. Logo os olhos se fecharam. Enquanto algumas pessoas não dormem, ela voltou a dormir.
As horas pareciam intermináveis. Se ela pudesse, acordaria só no final da sua vida, para um último suspiro. “Oh, como viver tem me doído à alma!”
Aos olhos dos outros, sua vida era perfeita.
Já havia conquistado quase tudo em tão pouco tempo.
Tinha uma carreira de sucesso. Era inteligente, bonita, da fala correta. Tinha seu próprio apartamento, seu carro e seus bichos. Visitava todo dia sua mãe. Era amada, idolatrada, e invejada. Entretanto, quem se importava? Talvez nem ela mesma dava conta do curto conto de fadas em que vivia.
“Posso dizer o horário. Preciso de ânimo para levantar dessa cama.” Já era quase a hora do almoço. “Nem tomei o café. Quem adiantou o relógio?”
Já era 11:45 A.M.
Virou o corpo para a direita. Soltou um gemido e apertou novamente o botão play da secretária.
Beep! Você não tem nenhuma mensagem.
“Ela não vem!”
Pegou o celular para digitar um torpedo.
“Se importa da gente remarcar o filme para outro dia? Acordei mentalmente indisposta para fazer um social.”
A resposta só foi chegar duas horas depois.
Sua amiga já estava em outro compromisso. Para algumas pessoas as horas passam.
Cacá olha para o teto. Ele tem sido sua distração há meses.
O telefone toca.
Ela dá um sorriso e um suspiro. Mas era a portaria tentando testar o interfone do apartamento. Seu humor volta à cor amarela.
Depois de 40 minutos, ela se arrasta para o banheiro.
Olha-se no espelho, encarando as olheiras de tanto dormir.
Lava o rosto. O seca lentamente na sua toalha de 200 fios 100% algodão. Encara-se novamente.
Dá leve batidinhas nas bochechas na esperança de ver sangue correr naquele local.
Dá um sorriso forçado, mostrando os dentes perfeitos.
Depois de escova-los, resolve tomar uma ducha quente para ver se relaxava a falsa tensão.
Enquanto isso, ela pensava. Pensava de novo, e de novo. Passam-se as horas, e nada acontece.
Ela esperava por uma visita que ela mesma desmarcou.
Insatisfeita.
Depois do banho tomado, ela se senta em frente ao computador.
Pensa em escrever, mas àquelas horas não a permite digitar se quer um pensamento. Eles eram rápidos demais. Vagos demais.
Desliga o aparelho.
Decide fazer um leite quente com canela.
Ao sentar em frente à TV, ela percebe que não tem hábitos de assisti-la.
Termina calmamente seu leite, e volta para a cama.
As horas não passavam.
Infindáveis. Fadigosas.
Ela olha para sua estante de livros e pega um exemplar de provérbios.
“Não quero ser rude, mas preciso te lembrar de que amanhã é segunda-feira. Carpe diem. Boa leitura.”
Era um recado antigo que estava escrito na página branca do título. 
Pegou a chaves do carro, e foi visitar as pessoas.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Sobre o "Amor Natural" e outras sensações

"Os movimentos vivos no pretérito
enroscam-se nos fios que me falam
de perdidos arquejos renascentes
em beijos que da boca deslizavam
para o abismo de flores e resinas.

Vou beijando a memória desses beijos."
[1]


Erótico, pornográfico e nunca vulgar!
Talvez essa seja a definição desse livro até pouco tempo desconhecido pra mim. E a cada poema a imaginação ia dando comandos a todos os sentidos. Um choque para os desavisados, um deleite para os amantes e um rubor para quem se descobre lendo esses poemas.

"O que se passa na cama
é segredo de quem ama."
[2]

E nas cucas de quem se destina a ser livre o que se passa?O que mais houvesse para haver na cama entre casais diversos, está descrito lá. Mas e os tímidos? (Olha eu aqui!!!)
Como foi dito por Mário de Andrade, "Faz todo o sentido, mesmo sendo culpa dessa bendita timidez". 
E a reação foi: Como assim, o Drummond?  
Nesse caso a frase "sabe de nada, inocente", se encaixa perfeitamente. 
Pronto! O lado carnal e humano do Drummond estava descoberto. 
Através de 40 poemas póstumos (O engraçado é que esses poemas foram guardados por anos e só foram publicados 5 anos após a sua morte) você descobre um lado seu até então desconhecido. E como um outro velhinho e dessa vez safado "assumido", o Bukowski já poetizou:

"há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te."
[3]

Em pleno Século XXI a nossa sociedade ainda é muito repressora ao falar de sexo. Existe uma falsa liberdade e muita hipocrisia reinante: sexo é sempre caricaturizado perdendo-se muita qualidade com tal postura. Para os curiosos recomendo a leitura, para os apaixonados uma pimentinha, para os que tem feitiche um convite. 

Decifre e chega de porquês na história. Vai logo sua alma libertina!







Au Revoir
Até o próximo texto  


[1]Andrade, Carlos Drummond. O amor natural. 1ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras. 2013. Página: 48.
[2]__________________________. O amor natural. 1ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras. 2013. Página: 16.
[3]Bukowski. Charles. O Pássaro Azul. O Leitor Cabuloso. Disponível em: http://leitorcabuloso.com.br/2013/07/sexo-alcool-e-poesia-o-lirismo-maldito-de-charles-bukowski-o-velho-safado/ . Acessado em 10/1/2015.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Enquanto Isso...



Enquanto ele caminhava pela rua pensava na infância agora tão distante. Era tempo de carrinho de rolimã e pipa com rabiola de jornal. Sua mãe era pobre demais e hoje ele tem coisas que nunca poderia imaginar naquela época. Tomava suco da fruta da época... Riu lembrando-se que na sua infância cada fruto tinha seu tempo e tudo estava ali descendo os seis degraus que separavam a casa do quintal. Ele tinha um cão de nome Corisco. E então se riu a valer sozinho caminhando pela rua. Corisco era nome de cavalo e de corisco seu cão não tinha nada: era magro, pulguento e vermelho de terra.  “Um dia bate um vento e leva esse bicho” – repetia sua mãe enquanto escolhia feijão para o almoço. E ele fechou os olhos por um segundo para sentir o cheiro. Ele só não sabia qual cheiro procurava se o da mãe, o da comida na lenha ou o da infância. E lá vai ele rua abaixo...

Ela estava indo pela rua como sempre fazia organizando em seus pensamentos a sua agenda apertadíssima. Enquanto caminhava apressada pela rua em seus saltos, ela revirava coisas na bolsa. Ela sempre procura na bolsa alguma coisa. Nunca entendeu que o que ela procura não está na bolsa. O que ela procura está nos olhos de alguém que ela nunca verá porque tem os olhos preso no fundo preto da bolsa lotada de coisas vazias. Ela tem que ir ao banco pagar a conta que vence hoje e ao dentista as quinze depois de passar na lotérica e fazer uma fezinha. À noite ela vai chegar a casa e preparar o jantar (macarrão que é mais rápido porque hoje a novela vai ser boa e ela não pode perder). No fim da noite ela abraçará o travesseiro pensando em coisas que fará amanhã enquanto revirará pela rua a sua bolsa de inutilidades. E lá vai ela rua acima...

Ele passa por ela e perde seus pensamentos felizes olhando curioso para a mulher linda que se esconde na bolsa. Ela nem ouve quando ele sorri e lhe diz bom dia porque ela sabe que estava ali, em algum lugar, o endereço da agência. E lá vai ele rua abaixo. E lá vai ela rua acima.
(Waleska Zibetti, in "Enquanto Isso")