segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Sobre Morangos



Quando comecei a leitura da segunda parte de “Morangos Mofados” pensei que leria textos ainda mais poéticos, mais líricos, suaves… A ideia de que os “morangos” escorregariam pelos meus pensamentos trazendo-me frescor e leveza para os dias, foi para o ralo no primeiro conto.

Na verdade os “morangos” despertam em nós uma fome louca de pensar e revira-nos o estômago em centenas de experiências que comodamente deixamos esquecidos no inconsciente. Eles travam na boca com um gosto amargo. E descem rasgando abrindo velhas feridas. (Ao menos foi assim comigo!)
Eu estava em cada conto lido. Um pedaço de mim tatuado em cada um deles. Na solidão do espelho, no passeio de carro, na inocência perdida, nos quadros, nos medos, nas dúvidas. E de repente, eu mesma era Caio Fernando de forma íntima e dolorosa. Eu sentia cada momento na minha própria pele, cada conflito, cada febre. Acho que os morangos ressuscitaram cada um dos meus moinhos de vento com os quais batalhei toda uma vida e eu me vi revirando-me toda intensamente.

Contudo, em momento algum tive pena de Caio ou de mim. Nem mesmo aquela vontade tão corriqueira de chorar o que seria lógico naquele momento. Eu deveria ter chorado, chorado, chorado… até esgotar de mim tudo aquilo que se remexia e doía em mim e em Caio. Mas eu não tive dó de nós dois. Porque esses personagens que circularam por mim e Caio é que nos fizeram o que somos. Ele foi grande porque tinha esses personagens para provocar-lhe a essência poética. E eu, tornei-me essa torre agigantada e para nessa coisa meio poeta e louca que sou.

Tinha, pois, a cada leitura a ilusão de andar num trem cada vez mais descarrilhado partido de não sei onde e indo para uma certeza de infinito que nunca se findará porque sempre virá um novo personagem. E eu lia, lia, lia… Porque já não era mais Caio era eu olhando da janela aquelas paisagens de passado ou de borrão futurístico. Meu Deus! Que sensação impressionante! Quantos sentimentos intensa e insanamente confusos.

Não, senhores, ler os “morangos” não foi fácil que o “mofo”! Definitivamente foi dolorido. Sadicamente prazeroso. Mas li-os, ou os engoli, um a um. Saboreando o amargor como quem espera nisso algum tipo de redenção ou salvação. Então, não pude desmembrá-los como fiz com a primeira parte. Não dá! Os morangos são um monobloco sensitivo. Só existem assim unidos, intrincados.

Contudo, penso que entendi Caio Fernando como nunca entendera antes. Entendi todos os outros que li antes desse. Eu furei a fila, sabe? Minha relação com ele tinha que ter começado aqui. Para depois vir “Os Dragões Não Conhecem o Paraíso”, “Onde Andará Dulce Veiga”, “O Triângulos das Águas”, “Ovelhas Negras”… Hoje, não sou mais uma leitora de Caio Fernando. Hoje, sou uma parte dele. Uma parte que sobreviveu.

Talvez seja assim que os artistas se eternizam. As pessoas se identificam com o que leem, visualizam, tocam… E eles sobrevivem ao seu tempo e a todos os tempos que virão. Imortais enquanto seus sentimentos existirem em algum fã. Eternos na identificação do outro na sua própria dor, alegria, ódio, amor…

Ah, que ilusão e surpresa foi essa de achar que os Morangos seriam mais fáceis e doces. Que paixão me despertaram ser aqueles personagens e o reencontro com os meus próprios. E agora serão os dois. Unidos os Morangos e o Mofo que me esperam na terceira parte. E que será que REALMENTE me espera lá? Não sei! Mas antes de ir até eles, vou respirar um pouco e beber um vinho.


Até breve.

Waleska Zibetti


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