terça-feira, 18 de agosto de 2015

Num Domingo... Um Vagabundo



“Dream On” era a trilha sonora daquele domingo. Não importa se manhã ou tarde. Acho que nem era domingo. Todos os dias eram iguais para ele. E todos parecidos com domingo. De certo mesmo só o som do Aerosmith tocando o mais alto que dava dentro daquele apartamento mínimo de subúrbio do Rio de Janeiro. 

Ele estava sentado em sua velha mesa de dois lugares olhando os carros que passavam pelo viaduto. O sol ofuscava seu olhar fazendo da cena um borrão em movimento. Ele bebia café frio de ontem de manhã. Estava falido, mas ainda tinha três cigarros e um pouco de conhaque no fundo de um armário. Marginalizado como todos os vagabundos que moravam no seu bairro, na sua rua, no seu prédio, no seu andar. A barba por fazer e um livro de Maiakovski nas mãos.

A vida não faz sentido aos domingos. Deus se esquecera dos miseráveis que moravam no seu bairro. 

Um cachorro latiu a direita e uma prostituta xingando seu cafetão a esquerda. Outro cigarro apagado no parapeito da janela. Está fodido! Como todo mundo que caminhava em direção a igreja vizinha. Riu do próprio caos. Meteu o dedo no buraco da camiseta, mas queria mesmo era enfiar o dedo na garganta e vomitar toda aquela miséria que lhe embrulhava o estômago. 

Sempre fora um traste. Um retrato perfeito do pai. Nem Ela o suportou... Foi morar com a mãe no interior do mundo. Ele devia ter ido também ou tê-la feito ficar. Era mais digno quando a tinha ao seu lado. Mas ele era um merda sem disposição para lutar nem mesmo por amor. 

E agora só resta um cigarro e algumas centenas de segundos até que o domingo passe de vez. 

Abre a janela e senta-se com os pés para fora. Décimo primeiro andar de uma rua suja qualquer. Ninguém, como era de se imaginar, o percebe ali fumando seu último cigarro com sua camisa furada e um resto de conhaque barato. 

Quem choraria por ele? A loira do terceiro andar, com certeza. Feia, velha, gorda, fedia a fritura, mas, de vez em quando, gentilmente dava para ele em troca de algum serviço de manutenção. Será que alguém mais? 

Inclina o corpo mais para a frente. Chega a sentir o frio percorrer a espinha. Lança o resto do último cigarro para baixo como se quisesse pegar coragem de fazer o mesmo. O cigarro desce os andares e ele o perde de vista. Merda! Bebe, por fim, o último gole. Tudo é derradeiro nesse momento. Olha para a garrafa, tenta se despedir do viaduto, mas o sol não está mais lá. Olha para o apartamento pela última vez. É pequeno, escuro e estranho. Está no fio, no fundo, no fim. Abre os braços...

... A campainha toca...

Amigos chegando para beber. Domingo é assim: um dia imprevisível. 
(Waleska Zibetti, in "Num Domingo... Um Vagabundo")

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