sexta-feira, 17 de julho de 2015

Última Carta de Um Vilão




“Talvez até a morte tenha seu lado bom, um lado simpático... Mas eu não.

Desde que me entendo por gente, sonho em ter o mundo em minhas mãos. Em mandar e desmandar. Em criar e destruir todos os que se opõem a mim. Desde pequeno sonho com a glória de ser chamado de tirano, de monstro, de cruel. Tudo isso porque sempre me vi melhor que os outros seres humanos. Todos são idiotas demais, nada mais justo que eu os governe. Mas eles não sabem escolher o que é melhor para eles. 

Desde que me entendo por ser vivo, que não temo a morte. Gosto dela a acho divertida, sarcástica e irônica. Talvez porque eu nunca tenha morrido. Mas não entendo porque as pessoas temem tanto ela. Acostumei-me a ela desde o momento que jurei guerra contra todos os prepotentes imbecis que se auto proclamam “heróis”, mandei vários de presente para ela. 

De tanto viver ao lado dela não percebi que ela se aproximara demais, agora estou aqui de frente para esse espelho, preso em meu próprio quarto, e atrás da porta me espera um maldito moleque... Um maldito herói. Como odeio “heroizinhos”. Seres patéticos. Odeio heróis. Odeio com todas as minhas forças... Que já não são muitas...

No espelho vejo meu sorriso, que na minha infância era considerado um sorriso de loucura, mas eu sempre o achei tão atraente. Como meus olhos. Enquanto eu amo meus olhos, as pessoas o temem. O temem como temem a Morte. Vêem uma crueldade insana nos meus olhos e sorriso. Acho que é por isso que os amo tanto.

Ouvi um barulho na porta. Quero ter certeza de que tudo que fiz foi certo. Foi... Pelo menos para mim. Consegui tudo o que sempre quis: poder, estátuas em minha honra, o temor de todos, mandei para os anjos algumas pessoas mais cedo. Não me arrependo de nada. 

Mas depois de um tempo fica tudo muito chato. Nem matar nem torturar me trazem a alegria de antes. Acho que esse deve ser o problema da imortalidade. Veria tudo acontecer milhares de vezes e sempre saberia onde acertar. Seria um inferno. 

De novo o “herói” tenta abrir a porta. Meu sorriso está ainda mais louco. Acho que sei o porquê... Minha velha amiga, a Morte está se aproximando e eu sei quem ela vem buscar. No espelho o meu rosto já está cansado, eu já estou velho demais para essas brincadeirinhas de criança. 

Durante anos cacei esses infelizes que se dizem heróis, agora eu já não aguento nem lutar contra um. Devo estar louco, devo estar problemático, devo matá-lo agora... Ou morrer tentando. 

Ouço meu ultimo trovão, a magnífica obra da natureza. 
Quero que se lembrem que eu não me arrependo de nada. Quero que saibam que odeio heróis. Quero morrer e ser lembrado como um louco tirano que foi recebido com um trono no inferno. 

Até a morte tem seu lado piedoso, um lado humano... Mas eu nunca.”

Ele pegou a espada no canto e com os pés abriu a porta do quarto pulando em seu inimigo com a espada em punho. Ele não esperava a cavalaria que vinha atrás do herói. Foi derrotado antes de conseguir o triunfo de seu ultimo ato. Os soldados depois da batalha olharam para a cidade em chamas. 

O “monstro” podia ter morrido, mas seu sorriso e seus olhos refletiam o orgulho do dever cumprido.
(João V. Zibetti, in "Última Carta de Um Vilão")


Nenhum comentário:

Postar um comentário