O ator estava sozinho no palco, sentado com suas longas
pernas penduradas para fora do palco. Pensava seriamente, há muito tempo que as
luzes se apagaram. Pensava que depois de tanto tempo longe da platéia, longe
dos textos, longe da loucura, como iria voltar assim do nada.
Na porta de entrada outro homem entrou e se se encostou à
porta, usava uma roupa cinza e negra. Tinha o rosto magro e com ar sacana. Não
disse nada e ficou encarando o ator. O ator fez uma leve referencia e a pessoa
se aproximou, com um sorriso sarcástico no rosto. O ator se levantou e se
lembrou de seus velhos tempos.
- Muito bem. Ainda esta em forma. – O homem tinha a voz
calma e perversa. – Você quer voltar, né? Por quê?
- Por nada mais que o gosto de estar no palco. – Disse o
ator e sozinho começo a dançar. De tango a valsa. O homem deu de ombros. O ator
parou e observou todo o teatro, grandes momentos ali. Morou quase a vida
inteira ali dentro e agora, estava tanto tempo afastado, não conhecia mais
nada, uma lágrima de tristeza caiu de seus olhos. O homem sorriu piedosamente e
se retirou, agora era só ator e teatro.
Ele desceu do palco e andou entre as cadeiras, lembrando
cada momento que passara ali sentado. Algo gritava dentro dele: “Esta chegando
a hora”. Ele queria voltar a atuar, mas também queria, nem ele sabia o porquê,
morrer. Já estava tanto tempo afastado. Subiu de novo ao palco, olhou para as
cadeiras, fez uma breve reverencia e interpretou seu ultimo ato, uma cena entre
ele e ele mesmo. Lutas, canções e amores perdidos, no final se jogou no chão.
“É o fim” pensou e fechou os olhos.
De repente reabriu os olhos, o homem de roupa cinza e negra
estava lá se aproximando.
- Pode voltar! Já decidi. – Disse o ator para o homem.
- Como? Por quê? – Retrucou o homem um pouco confuso.
- Não foi dessa vez que me levou.
- Vamos logo, afinal ninguém te verá, de certo terei de te
buscar mais tarde...
- Ai! Me buscará mais tarde. Não agora, não hoje. – O ator
olhou para as cadeiras de novo, agora com um ar soberano e triunfante.
- Sim, sim, belo discurso. Agora vamos, afinal para que
continuar vivo? – O homem estendeu a mão esquelética e sorriu.
- É verdade, meu querido e adorável Ceifador Sinistro. –
Olhou uma ultima vez para o homem, que agora segurava um cajado, suas roupas se
transformaram em um capuz negro e depois voltou a olhar para as cadeiras
vazias, recitando e interpretando um magistral texto.
“Espaços vazios, pelo o que estamos vivendo?
Lugares abandonados;
Eu acho que já sabemos o resultado;
De novo e de novo, alguém sabe o que nós estamos procurando?
Outro herói, outro crime impensável;
Atrás da cortina, na pantomima;
Segure a linha, alguém quer segurar um pouco mais?
O show deve continuar...”
- Bravo. Acaba de me convencer, primeira vez que, em todos
esses anos de trabalho, eu vejo Queen ser recitado como poema. – O Ceifado
colocou as mãos nas costas do homem e completou. – Boa sorte, meu caro. – O
ator assentiu e o Ceifador sumiu andando em direção à porta. Com um leve
sorriso o próprio ator comentou.
- Eu só posso estar ficando doido.
Alguns meses se passaram e o ator olhou de novo paras as
cadeiras, agora infinitamente cheias todos o aplaudiam, muitos de pé, outros
gritando e assoviando e um de roupa cinza e negra com um sorriso sarcástico.
Nos últimos segundos, chegou à frente do palco e com toda a força do pulmão
terminou sua mais notável peça:
- O show tem que continuar! – E todo o teatro o seguiu
formando um coro estupendo e brilhante. – O Show Tem Que Continuar!
(João V. Zibetti, in “O Show Tem Que Continuar”)
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