Ela apagou todas as luzes para ver melhor no escuro. Abriu bem a janela e as cortinas, puxou a velha poltrona para perto da janela, mas não muito. Sentou-se entre a escuridão da sala e o prata da lua olhando pacientemente o céu.
Os pés escondidos numa manta. As mãos apertando firme os braços do sofá demonstravam ansiedade. Vez ou outra ela mordia o lábio, como sempre fazia quando estava nervosa. O peito apertado anunciava que logo logo ela iria chorar. Era noite de lua cheia e toda vez ela ficava assim ao esperá-lo. Quem a visse ali, certamente a chamaria de louca. Contudo, ela não se incomodava mais com isso. Assumiu sua loucura para poder ser feliz.
Recostou a cabeça na cadeira, fechou os olhos e foi correr livre pelas ruas onde antes eles brincavam. Seus cabelos embaraçados, seus pés no chão, o rosto suado e as mãos sujas eram o retrato da sua essência. Menina-druida. Ligada a terra tal qual o bicho que era. E ele, sempre implicava com ela: bicho-do-mato.
[...]
Ele era mais velho. Não sabia andar de pés no chão a não ser quando ela o perturbava tanto que ele perdia a classe e corria rua acima atrás dela que se metia no mato para o desespero dele, já que ele nunca a alcançara. Voltava com peito arfando e resmungando: peste de menina. Depois caia na gargalhada quando ela ressurgia do meio das árvores com as bochechas vermelhas e sorriso moleque no rosto, passando saltitante para casa.
A noite ela em maria-chiquinhas se sentava na calçada para olhar a lua e ele vinha juntar-se a ela para viajar em seus pensamentos.
__ Está fazendo o que aí, bicho-do-mato?
__ Esperando os dragões. É noite de lua cheia.
__ Um dia ainda prendem você num hospício, sabia?
__ Fala assim porque é como os outros e não pode ver. Idiota!
__ Olha a malcriação!!!
Mesmo não vendo nada, ele sentava-se com ela a olhar a lua. E a admirar os sonhos dela através dos seus olhos brilhantes. Ele não tinha tempo para sonhar porque as responsabilidades não lhe permitia.
__ Seus dragões não vieram. Entre e vá dormir. Já é tarde!
__ Você não me manda. Não vou!
__ Está tarde e calçada não é lugar para você, peste! Vá! Ou eu mesmo lhe carrego para dentro.
__ Não vou!
__ Menina, sou mais velho que você. Me obedece!
__ É mais velho, mas não é nada meu. Não vou!
E então, ela olhava o céu com sorriso enorme e começava a apontar.
__ Olha! Olha! Eles estão lá!
__ O que? Onde?
Era uma estrela cadente que passava tão rápido que nem dava para se ver direito. Ele olha para ela que agora estava de pé agarrada a mão dele.
__ Não são lindos?
__ Sim... São.
Ela beija o rosto dele e corre para dentro. Ele olha a menina sumir entre as roseiras do jardim. Encara mais uma vez o céu e só vê estrelas. Ri sozinho... "Dragões... Menina maluca!".
[...]
Naquela tarde de domingo quando lhe contaram do acidente, ela quase enlouqueceu. Não podia acreditar que ele estava morto. Tantos anos juntos até que a implicância virasse amor e agora ele se fora. Por que a vida sempre lhe tirava coisas? Por que a vida não permitia que ela fosse feliz?
Dias passaram desde aquele domingo e numa noite de lua cheia ela sentou-se a varanda para olhar a lua. Era uma mulher calçada e penteada agora. Uma mulher com o coração dolorido em histórias sorridentes. A vida não era mais facilmente resolvida em fábulas de Esopo. E ela chorava com mais facilidade que gargalhava. A luz da lua tocou-lhe os pés e ela lembrou-se dos dragões. Sorriu. A luz da lua tocou-lhe os joelhos e ela lembrou de como ele a olhava quando ela falava dos dragões. A luz da lua tocou-lhe o ventre e ela mordeu os lábios olhando o céu.
__ Estou aqui!
__ Não pode ser!
__ Você que me ensinou. Vim te ver.
Ela tocou o rosto dele. Chorava e sorria.
__ Saudade!
__ Sente não. Estou aqui, peste!
Ela o abraçou e ele a levou.
__ Está tudo em você. E aqui tudo é seu. Quando o mundo apertar você. Solte os cabelos, pise no chão, feche os olhos, venha. Tudo é seu. E eu estarei aqui com todos que você permitir que entre. Aqui você é a rainha. Daqui, ninguém irá embora. E você poderá vir nos ver sempre que quiser. Você me ensinou...
__ Estava tão sozinha.
__ Aqui não tem solidão. E é seu lugar. E quando como eu, você se libertar do seu casulo, virá morar aqui de vez com suas asas de borboleta. Ser de fato a rainha desse lugar. A nossa menina-rainha.
[...]
É noite de lua cheia... A sala está escura. Os pensamentos fervilhando. Os cabelos soltos. Os pés no chão. E lá está ela. A menina-rainha a olhar a lua. Esperando... Meia-noite... E ela sorri moleca. Corre para a calçada. Ele pousa como sempre no meio da rua abaixando-se para apanhá-la.
__ Pensei que não vinha. Por que você sempre demora?
__ Como reclama! Vamos sobe?
__ Não pense que só porque virou dragão pode me deixar esperando. Que coisa!
__ Eu te amo, peste!
__ Eu também, dragão! Eu também.
E lá vão os dois, as gargalhadas para o mundo mágico da menina-rainha onde todos podem ser feliz. Não é para sempre, ela sabe, a vida já ensinou a menina que sempre não existe e que felicidade boa dura o tempo de um sonho. Contudo, ela também sabe, que mesmo que as coisas passem, sempre haverá noites de lua cheia para fazê-la sonhar.
(Waleska Zibetti, in "Noite de lua cheia...")
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