É uma da manhã e o telefone não tocou. Ou tocou e eu não ouvi? Ele sempre diz que não ouço nada e que vivo absorta em meu mundo de borboletas azuis. E eu me pergunto: é crime gostar de borboletas? Não sou eu que não ouço. É ele que insiste em falar algo demais quando o melhor momento é se calar. Então, eu me desprendo e vou voar com as borboletas. Se ele soubesse que nem sempre elas são azuis...
Ele não tem tempo para vê-las. Quase ninguém tem! Todos vivem presos aos seus compromissos e correrias que enfartam. As borboletas não acompanham os que correm. Elas precisam pousar aqui e ali de vez em quando. Tocar suave pétalas de flores campestres amarelas. Das minhas borboletas azuis e do amarelo das minhas flores selvagens é que vem o verde da minha esperança. Mas quase ninguém vê.
Aliás, ele também não vê a esperança em mais nada. Acho que ele não vê nada. Não tem tempo para ver. Ah, se ele conseguisse parar de falar e começasse a ouvir só um pouquinho as canções do vento! Acho que ele precisa dançar ao som do vento e começar a ver borboletas. Não ligo de emprestar as minhas até ele criar as dele.
E já são duas e não sei se o telefone tocou ou não. Tudo que sei é que estou aqui pensando, pensando, como faço as noites em que nem eu durmo e nem o telefone toca.
Ele está lá em algum ponto desse mar. De repente, um pensamento triste me ocorre: não há borboletas no mar. Então é fácil se sentir sozinho por lá. Talvez eu devesse desenhar algumas bem coloridas e dar a ele na próxima vez que o vir. Devo desenhar também algumas flores.
O mar é triste a noite. Tão escuro e envolto em mistérios. Talvez de tanto ficar no mar o coração dele esteja escuro também. Sei que há quem me dirá que o mar é magnífico. E eu concordo. Ele é! Mas é que imaginá-lo sem borboletas, o deixou tão triste. Lindo ainda assim. E as ondas lambem a areia. São Ondinas tentando sair dali.
Mas sabe o que pensei agora? No mar há gotas que sonham em ser borboletas. E elas fogem dele para o céu e depois se lançam das nuvens em forma de chuva. E enquanto caem em queda livre, são borboletas de asas transparentes voando em direção as flores. São minutos de total liberdade antes de voltar para os braços do mar. Ai... Que vontade de ser gotas de chuva!
Se ele me ouvisse agora me chamaria de louca. E me mandaria por os pés no chão e tirar a cabeça das nuvens. De vez em quando tenho pena dele; ele é tão raiz. Eu não quero ser raiz! Quero ver o sol refletido nas gotas-borboletas do meu jardim. Quero ver o mar se iluminando de manhã e as Ondinas cedendo espaço aos seus admiradores. E a canção solitária do mar ser tomada pouco a pouco por um coral de risos infantis. Ah, eu prefiro ser flor a ser raíz. Ele que me perdoe!
E são quase três. Definitivamente o telefone não tocou. Vou dormir! Vou nos sonhos ser borboleta, vou voar até ele e tocar-lhe suavemente o ombro. Vou beijar-lhe com minhas antenas e soprar, num farfalhar de minhas asas, um pouco da minha esperança sobre ele. E que eu o faça sorrir! Quem sabe ele consiga novamente alguma ver esperança em mim? E quem sabe um pescador contará mais tarde a história de um amor bonito entre uma borboleta e um lobo do mar.
(Waleska Zibetti)
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